Vivemos em um mundo tão pragmático e capitalista que pensar em alguma coisa sem uma finalidade prática, ou que dê lucro, é absurdo. Felizmente alguns filósofos da atualidade têm começado a falar em "capital não material" e na sua importância para a vida saudável de empregados e como consequência uma melhor performance profissional. Deu-se uma volta e parou-se no mesmo lugar: produção material. Pelo menos começa-se a pensar sobre a importância de coisas do tipo ler um livro, ir ao cinema ou namorar, em outras palavras: sentir prazer.
Poderíamos falar que entre as finalidades da literatura está em fazer de nós pessoas instruídas, mais bem informadas. Que ler enriquece o vocabulário e consequentemente a escrita, 'quanto mais lemos melhor escrevemos'. Também que bons livros modelam o caráter, pois são exemplos claros de se ter, ou não, uma boa conduta. Quem leu Machado de Assis sabe do que estou falando.
Mas muito além de todas essas coisas, o ato de ler, assim como o de assistir a um bom filme, apreciar um quadro ou a uma orquestra, provoca em nós o que os críticos chamam de 'fruição estética'. Em outras palavras: a literatura nos proporciona prazer, gozo, tesão. E isso, por si mesmo, já encerra a importância de ler, assim como de apreciar qualquer manifestação artística.
Segundo o dicionário "fruição" é o ato ou efeito de fruir; gozo, posse, usufruto. O mesmo que tirar todo o proveito de uma coisa. Também podemos dizer de um texto que se é 'fruitivo', igual a agradável, delicioso. Mas nosso senso prático, e nossa tradição católica de pecado, nos recrimina: o prazer, além de inútil, é perigoso!
Não acredito na contradição prazer versus espírito. Pelo contrário, acredito que há mais chance se sentirmos a presença de Deus durante o momento sublime em que nos entregamos, nos fundimos com a beleza de um quadro ou de uma música, do que quando estamos entediados. Êxtase é êxtase, independente de ser religioso, sexual ou artístico. Além do que o prazer sensorial/sensual é uma inclinação natural do ser humano. Negá-lo é o mesmo que negar a humanidade que há em nós.
Ver, ouvir, cheirar, tocar são, até o momento, as únicas pontes que temos com o mundo exterior. É por meio dos sentidos que aprendemos. E a arte, com toda riqueza de seus símbolos e metáforas tem a capacidade de burlar a lógica e se comunicar diretamente com o subconsciente. Perigosa, não? Faz desenterrar tesouros, incomoda- tira do comodismo- a tal ponto que depois de uma boa leitura ninguém será mais o mesmo. E para o sistema é bom que sejamos sempre os mesmos. O que aconteceriam com nossos políticos se o povo lesse Eça de Queiroz?
O prazer é o abismo que nos leva ao topo, mas não é nem o abismo, nem o topo, é simplesmente o caminho para compreender melhor o mundo e a nós mesmos. Não fingir que se admira um quadro ou um livro, mas inundar-se de tal modo que o mundo a nossa volta pareça desaparecer. Esse é o verdadeiro sentido da comunhão.
Temos a sensação de que para sentir prazer devemos necessariamente pagar um ônus, a culpa. Por isso fica-se procurando a finalidade da literatura. Ninguém pergunta sobre a finalidade da mecânica ou da medicina. Mas arte? Pra quê? Isso é coisa de quem não tem o que fazer. Fruição não é perda de tempo, pelo contrário, é aproveitamento.
E se mesmo assim alguém ainda insistir que dedicar-se às artes não vale a pena, fica-nos o exemplo de Sócrates que enquanto era preparada a cicuta aprendia uma ária com a flauta e lhe perguntaram: "Para que lhe servirá?", ele respondeu: "Para aprender esta ária antes de morrer".
A arte pela arte, como pregavam os modernistas, já é valida por si mesma.