Acho que podemos medir a necessidade de afirmação de algumas famílias e pessoas pelos seus túmulos. Assim como pelos cemitérios de uma cidade ou de uma povo.
Criança do interior de São Paulo, 30 anos atrás, desconhecia os túmulos o tipo "mausoléus", o"mármore", as colunas... e todos os demais símbolos de status de que uma cova é capaz.
Os túmulos da minha infância eram simples caixotes de tijolos, cobertos na superfície por algum azulejo barato e caiado em volta.
O muro era branco, assim como a capela, os caminhos de terra vermelha, que tingiam os rodapés e os pés calçando chinelos dos visitantes.
O coveiro que nunca era visto, era quase uma figura mítica. Em plena sintonia com os habitantes do lugar: silencioso e oculto.
Nem árvores havia, só algumas florezinhas mais resistentes, que insistiam em nascer naquele ambiente hostil e descuidado: o camará, como lembrança de que os amigos fiéis permanecem para sempre; por isso o nome da planta: 'camará', que vem de 'camaradagem'. O cosmos, com seu tom alaranjado e descaradamente alegre. E o capitão, uma espécie de margarida rústica e resistente de tons vibrantes. Todas nascem sozinhas, como morremos sozinhos.
Mas havia, sem dúvida, uma maneira de identificar os ricos dos pobres. Os túmulos dos mais abastados eram aqueles que ficavam perto do portão principal ou junto à capela. Quanto mais pobre, mais distante. Igualdade não faz parte deste mundo. Mesmo neste mundo de túmulos simples e sem ornamentos.
Nas capitais tudo era muito diferente: imagens bíblicas esculpidas em mármore, anjos, arcanjos e toda a hierarquia celestial, além de torres, andares, altares e as mais diversas imagens.
E as flores: rosas, cravos, crisântemos..todas trabalhadas em forma de coroas e buquês.
Acredito que, quem cresceu numa cidade grande, aprendeu desde cedo que as diferenças sociais existem e são gritantes, até entre aqueles que já não vivem mais.
Hoje percebo como é difente quem foi criado no interior de quem foi criado em uma grande cidade, como São Paulo, por exemplo. No interior reconhecíamos os 'ricos' pela quantidade de terra que possuia. Mas eram pessoas que compravam nos mesmos bares que os outros, estudavam na mesma escola que todos, frequentavam a mesma igreja e eram enterrados em túmulos que, a não ser pela localização privilegiada, eram iguais.
Não sei se vivi num sonho, mas jamais me peguei comparando minhas posses com as de ninguém. Vivi e vivo como aquelas flores dos cemitérios de quando era criança: alegres, vivas e indiferentes à distinção de classes e posições sociais.
Pois no final das contas, ou da vida, com pompa, ou sem ela, mármores ou não, em seus interior os túmulos serão sempre iguais: ossos e nada mais.