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Às vezes me pergunto por que escrevo. Por que falo tanto de mim mesma, da minha infância, do passado. De como era no meu tempo... Sei que não sou tão velha assim, mas com 36 anos pude testemunhar uma boa parte da nossa história. E uma história que deu um giro de 180 graus nos costumes, na política, na cultura, na tecnologia, enfim, em todos os aspectos.
Primeiro falo de mim, porque não saberia falar de mais ninguém. Só sei, e ainda muito mal, do que se passa comigo e na minha família. Sou um tanto autista. Jamais seria jornalista, pois só poderia falar de como me senti diante do fato e não o fato.
Também escrevo porque minha filha pouco conheceu os seus bisavós, meus avós. Eles se foram um a um quando ela era ainda muito pequena. Gostaria que ela, assim como os filhos dela, soubessem como eles eram, como viviam, agiam e pensavam. Que ela soubesse que descende de uma raiz forte, que sobreviveu à escassez da segunda guerra, que suportou trabalhos em locais insalubres como fábricas de alumínio e cerâmicas, alguns com apenas 9 anos de idade. Mas que nem por isso se tornaram duros, e que alguns até se arriscavam a desenhar e fazer poesia depois de uma extensa jornada de trabalho. Que quando eu era criança o macarrão vinha em embalagem de papel, que a maçã, de tão rara e cara (pelo menos no interior), vinha enrolada em um papel de seda violeta, que guardávamos como uma perfumada relíquia. Que meu avô usava chapéu e relógio de bolso e que minha avó era extremamente linda e cheirosa usando apenas creme Nívea e Leite de Rosas.
Acredito na Reencarnação, mas também acredito que somos nossos pais, avós, bisavós e todos os outros que vieram antes de nós. Por alguma alquimia que desconheço e que ultrapassa a genética, me vejo em todos eles, assim como me vejo na minha filha.
Alguém pode até argumentar que a História, como disciplina, já faz isso. Que ela tem tudo documentadozinho como foram os anos 30, 40, 50, 70... Mas tenho um sério problema: eu não acredito na História, pelo menos não na oficial!
Sei que também minto quando conto minhas histórias, pois as relato de acordo com a minha visão subjetiva e carregada de afeto. Mesmo assim ainda minto menos que a História, cujos dados foram documentados de acordo com o interesse de quem estivesse, ou está, no poder. Não é assim até hoje? Quem pode dizer quantos morreram na Guerra do Iraque, qual foi sua verdadeira razão, o que de fato ocorreu?
Na soma das duas histórias, a minha e a oficial, minha filha cria a sua própria. Que só ela poderá dizer que cara terá quando repassar aos seus descendentes.
Claro que não é só por isso que escrevo. Também o faço para manter minha memória clara, para manter vivos aqueles que já se foram, para sentir perto aqueles que estão distantes e, acima de tudo, para me manter. Pois para mim vale literalmente a frase bíblica que diz que nem só de pão viverá o homem (e também a mulher!). Eu preciso das palavras para continuar vivendo, quer sejam palavras harmônicas, cadenciadas, dos diálogos do dia-a-dia ou a cacofonia das conversas desconexas que ouço na rua, no trem e até em casa; e dos sussurros ao pé do ouvido que me chegam no silêncio da noite.
Mas de qualquer forma, elas, as palavras, são a ponte que fazem com que eu não me abondone na minha imensurável solidão, típica da condição humana. Pode ser por isso que muitos têm a mania, estranha pra mim, de deixar a TV ligada.
Mas cada qual se livra do demônio da solidão do jeito que sabe, não é?