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Reparo que a natureza me cura. Há tempos conheço essa verdade, porém poucas vezes a aplico.
Não apenas no uso dos chás e das plantas. Não. É muito mais do que isso!
Fui uma criança solta. Em integração total com a natureza. Quando o ar trazia o cheiro de tempestade, com seus vendavais, nuvens negras e redemoinhos, corria pela estrada de terra, de braços abertos, rodopiando em júbilo, enquanto minha irmã ia para o alto das árvores balançar nos galhos . Minha avó ficava desesperada e voava para o quarto rezar. Meu pai, acho que de quem herdamos o gosto por essas coisas estranhas, ficava na horta revirando a terra e contemplando o cenário. Tempestade na roça não é igual na cidade. É muito mais agressiva, pois as muitas árvores fazem um barulho enorme, os animais se agitam e a terra se levanta, fazendo do céu um vermelhão só.
O que sempre acontecia era de um trator abrir a estrada que o mato ia invadindo, deixando montanhas de terra vermelha soltas nas laterais, imagina se não rolávamos naquele barro depois que a chuva caia? Não era simplesmente fazer guerrinha de barro, era entrar completamente na lama, passar por debaixo dos bueiros na enxurrada, e correr, correr loucamente como que para voar com o vento.
Meu pai achava a coisa mais natural do mundo e jamais tivemos um resfriado que fosse. Até hoje, somos bem resistentes. Minha sogra se escandaliza em me ver sair do banho e ir pro vento, lavar o cabelo no tanque depois de chegar suada da rua, dormir com os cabelos molhados, entrar no mar à noite ou debaixo de chuva. Não é desafiar a sorte, nem uma tendência suicida, mas necessidade de me sentir mais próxima da minha essência. De saber que sou forte, muito forte! Quem sabe porque fiz de um trecho do poema "I-Juca-pirama" um mantra pessoal:
"Sou brava, sou forte,
Sou filha do Norte,
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi"
Talvez o Fernando tenha razão em me apelidar de 'índia'. Desconheço qualquer traço indígena na minha família, mas sei que como eles tenho uma ligação fortíssima com a terra, com as plantas, com natureza. Ela me desperta, me fortalece no que tenho de mais essencial.
Quando tinha 14 anos tinha uma mobilete. Nesta época morava com minha mãe, que também não era adepta da vigilância. Morava em S.J. do Rio Preto, terra conhecida pelo grande calor e como consequente por tempestades fortíssimas. Volta e meia uma delas me pegava nas estradas de terra que cortavam vários municípios ao redor, onde andava para fugir da fiscalização. Sentir os pingos de chuva me cortando como agulha na pele e o vento no rosto eram das coisas mais maravilhosas que podia sentir. Por isso nunca entendi o que Fernando Pessoa quis dizer com "Pensar incomoda como andar na chuva", pois realmente adoro e é a maneira mais fácil de me ver na praia ou numa caminhada: debaixo de chuva!
Sentir o cheiro da terra molhada, o uivo do vento, o chacoalhar das folhas, me dão uma sensação de plenitude. Não sei explicar, em dias assim acho um desperdício dormir e poderia passar a noite na janela contemplando o espetáculo. Certa vez, quando ia de Rio Preto para o Paraná, uma enorme tempestade nos pegou entre Presidente Prudente e Maringá. Era de noite e todos no ônibus dormiam. Fiquei em transe com a beleza dos raios que cortavam o céu sem parar, nunca mais presenciei nada parecido. É como se alguma coisa em mim fizesse parte de tudo aquilo.
Como se eu fosse feita da mesma matéria que a terra, o vento, a água, as árvores. Não apenas na teoria, pois é verdade que temos a mesma composição. Mas é algo maior. Algo que desperta minha alma, me chama à vida, me prova que nada está morto.