07 março 2008

Consolos



No seu livro "Paula", a escritora Isabel Allende, nos fala do poder consolador do arroz-doce. Ela relata que a única coisa que lhe dava uma sensação de conforto em uma momento de sofrimento intenso, após a morte da filha (Paula), era esse doce simples. Não precisamos aprofundar muito para entender o porquê do arroz-doce ser tão poderoso. Ele é feito de poucos ingredientes, mas todos com grande significado para nós: leite, açúcar, arroz, um pouquinho de canela e raspas de limão. Todos com gosto de infância e casa de mãe.

Do mesmo modo a canja, a canjica, o mingau de aveia (comfort food, nome perfeito em inglês), são alimentos consumidos mais no período do frio, à noite, antes de deitarmos, ou quando estamos enfermos, pois eles têm o poder de uma abraço antigo, de lugar conhecido e querido.

Mas não são apenas esses alimentos que nos trazem sensações boas,

todos, num maior ou menor grau, fazem a mesma coisa. E por isso essa onda de obesidade. Comer consola, e muito!

Ainda há outros consoladores como os amigos, as bebidas, os calmantes...

Algumas vezes, bem poucas, é legal deixar-se consolar, aquecer-se no calor amoroso que vem de fora, de um amigo-amante-parente-animalzinho. Digo 'bem poucas' porque temos uma tendência de querermos ficar para sempre nesse território prazeroso e a pensar que o consolo sempre se dá assim: de fora pra dentro. O que não é verdade.

O lugar do prazer não está no arroz-doce, mas naquela almejada terra psíquica habitada pelas nossas mais doces lembranças. Por isso há que se procurar essa terra em nós mesmos.

Acredito ser esse o grande milagre da vida, o maior dom que O Pai nos permitiu: o de sermos capazes de nos curarmos. Para isso é necessário que se processe uma alquimia interna, do mesmo modo que acontece no preparo de qualquer alimento.

Necessitamos de elementos fortes como a canela, o cravo, que são a coragem, a determinação. Também temos os ingredientes mais suaves como o carinho e a paciência por nós mesmos. Mas o principal de todos é a lucidez, pois ela nos dá a percepção da quantidade exata de cada elemento a ser utilizado, como em uma cozinha. Do contrário esse passeio pelo mundo interior pode transformar-se em loucura.

A diferença entre aquele que cura e aquele que adoece está na percepção fiel dos fatos. Saber se olhar inteiro, sem medos ou desculpas.

Como nas palavras do poeta mineiro Gildes Bezerra, " Quando a dor é maior que o peito e o caminho termina antes de se chegar ao destino, há que se usar um engenho, de maneira tal que a extensão da dor complemente a falta de caminho", esse 'engenho' de que ele nos fala é esse poder, o fogo sagrado da cura, que todos, sem exceção possuímos. Mas que só se revela quando não tememos entrar na noite escura de nós mesmos e que nos dá uma sensação maravilhosa, que consolo externo algum pode nos oferecer: o de termos conseguido pelo nosso próprio mérito.