03 dezembro 2008

Laços - autor desconhecido (que pena!)



" Como é engraçado...eu nunca havia reparado em como é curioso um laço...

Uma fita dando voltas, se enrosca...se embola. Vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.

É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.

É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa em que o faço.

E, quando puxo uma ponta, o que acontece...Vai escorregando devagarinho, desmancha, desfaz o abraço.Solta o presente...o cabelo, fica solto no vestido. E, na fita, que curioso: não faltou nenhum pedaço!

Ah! Então é assim o amor, a amizade? Tudo o que é sentimento...é como um pedaço de fita, enrosca, segura um pouquinho...mas pode se desfazer a qualquer hora, deixando livres as duas bandas do laço.

Por isso é que se diz: "laços afetivos", "laços de amizade".

E quando alguém briga se diz: "romperam os laços".

E saem as duas partes - igual a pedaços de fita, sem perder nenhum pedaço.

Então o amor é isso: não prende, não escraviza, não aperta, não sufoca.

Porque, quando vira nó, já deixou de ser laço."

20 novembro 2008

Correria rima com gosseria



Final-de-ano e correria. Parece que já viraram sinônimos!

Até as pessoas mais educadas que conheço, não reparam em o quanto deixam de ser gentís nesta época. É um atropelo. Nos telefonemas, nos encontros casuais na rua, até por e-mail: "Olha, não posso falar agora pois estou numa correria só, final-de-ano, você sabe, né?"

Sei o quê?

Que minha filha vai fazer 3 dias de apresentação de balet e jaz, mais não sei quantas de teatro, que há a costureira, a prova das roupas, os presentes de natal, o trabalho que se torna mais urgente, fora muitas outras coisas que nem cabe comentar aqui...Aumenta a carga para todos, independente de quem trabalha fora ou não.

Ouvi outro dia uma história que dizia o seguinte:

Havia uma senhorinha,dessas japonesas bem velhinhas e miúdas, que praticava zazén (meditação sentada), todos os dias em sua comunidade. Não faltava por nada neste mundo! Um dia ela faltou. Não é da tradição budista ficar cobrando satisfação de por quê a pessoa fez ou deixou de fazer tal coisa. Cada cabeça, seu juíz! Acredito que até mais por intuição, e para que nos servisse de lição, a monja responsável resolveu perguntar. A vovó, respondeu: "já estava trancando a porta quando uma amiga vinha chegando para me visitar. A visita ficou constrangida ao me ver pronta para sair, mas logo desfiz essa situação. Mostrei a ela o quão feliz estava com a sua surpresa. Pensei no trabalhão que ela teve em deixar a sua casa para vir até a minha me ver. E, se ela fez isso, é porque, de alguma forma, sou importante pra ela e ela gostaria de passar algumas horas comigo. Só sei que a tarde foi uma festa, tomamos bules de chá, contamos histórias das nossas vidas, enfim, o zazén é maravilhoso, mas o contato com os amigos é tão divino quanto".

Será que temos a nobreza dessa senhora? Será que lembramos que quando alguém nos liga, visita ou manda um e-mail é porque, de algum modo, somos importantes para ela? Não falo em manter amizades de aparências. Se esse é o caso nem vale à pena, é melhor cortar o mal pela raiz. Deixar bem claro que para mim não vale o sacrifício de algumas horas, ou minutos, perdidos com essa pessoa.

Não importa se é final-de-ano ou não, amigos continuam sendo amigos. Se temos um compromisso saberemos falar com jeito que, infelizmente, infelizmente mesmo, de coração, naquele momento não será possível um bate-papo. Mas no primeiro momento que tiver oportunidade ela será prioridade para mim.

Gosto de uma frase de uma música dos Titãs, que diz " Nenhuma idéia vale uma vida".

18 novembro 2008

Porque escrevo



Às vezes me pergunto por que escrevo. Por que falo tanto de mim mesma, da minha infância, do passado. De como era no meu tempo... Sei que não sou tão velha assim, mas com 36 anos pude testemunhar uma boa parte da nossa história. E uma história que deu um giro de 180 graus nos costumes, na política, na cultura, na tecnologia, enfim, em todos os aspectos.

Primeiro falo de mim, porque não saberia falar de mais ninguém. Só sei, e ainda muito mal, do que se passa comigo e na minha família. Sou um tanto autista. Jamais seria jornalista, pois só poderia falar de como me senti diante do fato e não o fato.

Também escrevo porque minha filha pouco conheceu os seus bisavós, meus avós. Eles se foram um a um quando ela era ainda muito pequena. Gostaria que ela, assim como os filhos dela, soubessem como eles eram, como viviam, agiam e pensavam. Que ela soubesse que descende de uma raiz forte, que sobreviveu à escassez da segunda guerra, que suportou trabalhos em locais insalubres como fábricas de alumínio e cerâmicas, alguns com apenas 9 anos de idade. Mas que nem por isso se tornaram duros, e que alguns até se arriscavam a desenhar e fazer poesia depois de uma extensa jornada de trabalho. Que quando eu era criança o macarrão vinha em embalagem de papel, que a maçã, de tão rara e cara (pelo menos no interior), vinha enrolada em um papel de seda violeta, que guardávamos como uma perfumada relíquia. Que meu avô usava chapéu e relógio de bolso e que minha avó era extremamente linda e cheirosa usando apenas creme Nívea e Leite de Rosas.

Acredito na Reencarnação, mas também acredito que somos nossos pais, avós, bisavós e todos os outros que vieram antes de nós. Por alguma alquimia que desconheço e que ultrapassa a genética, me vejo em todos eles, assim como me vejo na minha filha.

Alguém pode até argumentar que a História, como disciplina, já faz isso. Que ela tem tudo documentadozinho como foram os anos 30, 40, 50, 70... Mas tenho um sério problema: eu não acredito na História, pelo menos não na oficial!

Sei que também minto quando conto minhas histórias, pois as relato de acordo com a minha visão subjetiva e carregada de afeto. Mesmo assim ainda minto menos que a História, cujos dados foram documentados de acordo com o interesse de quem estivesse, ou está, no poder. Não é assim até hoje? Quem pode dizer quantos morreram na Guerra do Iraque, qual foi sua verdadeira razão, o que de fato ocorreu?

Na soma das duas histórias, a minha e a oficial, minha filha cria a sua própria. Que só ela poderá dizer que cara terá quando repassar aos seus descendentes.

Claro que não é só por isso que escrevo. Também o faço para manter minha memória clara, para manter vivos aqueles que já se foram, para sentir perto aqueles que estão distantes e, acima de tudo, para me manter. Pois para mim vale literalmente a frase bíblica que diz que nem só de pão viverá o homem (e também a mulher!). Eu preciso das palavras para continuar vivendo, quer sejam palavras harmônicas, cadenciadas, dos diálogos do dia-a-dia ou a cacofonia das conversas desconexas que ouço na rua, no trem e até em casa; e dos sussurros ao pé do ouvido que me chegam no silêncio da noite.

Mas de qualquer forma, elas, as palavras, são a ponte que fazem com que eu não me abondone na minha imensurável solidão, típica da condição humana. Pode ser por isso que muitos têm a mania, estranha pra mim, de deixar a TV ligada.

Mas cada qual se livra do demônio da solidão do jeito que sabe, não é?

14 novembro 2008

Seres 'multitarefa' ?



Li que segundo uma pesquisa realizada pelo Cartoon Network, com cerca de 7 mil brasileirinhos entre 7 e 15 anos de idade, comprovaram que 73% deles podem ser considerados 'multitarefa', pois conseguem fazer o dever de casa enquanto assistem TV e navegam na internet.

Se fosse no tempo do meu avô ele logo gritaria:" -Truco!". Como sou mais moderna, grito o nome de um jogo de baralho que brinco com a minha filha" "-Desconfio!"

Não desconfio da capacidade humana de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Sou mulher e mãe e não poucas vezes me vi fazendo o almoço, dando de mamar e atendendo ao telefone ao mesmo tempo. Porém o que desconfio são dos efeitos dessa 'agitação' mental a longo prazo.

Sou agitada por natureza, apesar de aparentemente dar a impressão de ser um lago calmo e tranquilo. Só eu e meu estômago sabemos o que sofremos com essa coisa de querer ser 'trezentos' (coisa de Mário de Andrade!).



A pesquisa se firma no fato, realmente comprovado, de que o cérebro humano vai se adaptando aos novos hábitos. Mas eles se esquecem de que tais mudanças são lentas e, até que sejam efetivadas, há picos de desequilíbrio e estresse que ninguém sabe quanto tempo pode durar.

Não canso de ver pessoas no metrô lendo, ouvindo música e tentando falar ao celular (sou uma delas). Mas luto contra isso com todas as minhas forças, e quando consigo meu sono, minha criatividade, minha paciência e capacidade de aprendizagem, são outros. Do contrário, levo essa agitação pra cama, pra mesa, pro corpo e me pego estressada, arrasada, como se uma motoniveladora tivesse passado por cima de mim.

Pobre monja, tantas palestras... Mas um dia eu aprendo: "Uma coisa de cada vez!", "Atenção plena!" Eu chego lá.



Outro dia assisti a uma palestra de um professor do Anglo, que foi enviado pela escola à Finlândia para descobrir o segredo desse povo que, além de habitar no fim do mundo, ocupa o primeiro lugar no ranking educacional mundial. Ele logo imaginou: "Deve ser a carga horária, educação em período integral! Não! Então, salas de aulas superhipermodernas? Também não!

A Finlândia é um país onde 99,9% das mães trabalham fora, por isso as crianças ficam no período da tarde na escola revendo a matéria que foi dada pela manhã, fazendo o dever de casa, ou seja, elas também só assistem aulas por meio período.

Segundo suas palavras, cada uma dessas salas de estudo é de uma simplicidade monástica: carteiras, umas seguidas das outras e, em cada uma, uma gaveta, para o aluno guardar seus objetos pessoais, nada mais! Assim eles passam a tarde, no mais completo silêncio. Tornan-se desde cedo autodidatas, pois não tem a história tirar a dúvida com a mãe, com o pai, nem com a internet. É tudo muito bonito e organizado, porém fico pensando: onde eles escondem os hiperativos? Ou será que naquele país eles não existem? Ou eles se trasformam em jovens que, de tão reprimidos, mais cedo ou mais tarde vão se rebelar contra o sistema e sair matando os colegas, como aconteceu recentemente comum jovem de 18 anos. Ou ele será o próximo suicida? Pois com um sistema tão rígido (e tão pouco sol), não sobra muita opção aos 'diferentes', fazendo daquele país o primeiro lugar também no número de suicídios!



No outro extremo temos o Brasil: penúltimo lugar em qualidade educacional. Bendita Gana, do contrário seríamos os últimos! O problema aqui é excesso de barulho, de agitação. Parece que o brasileiro não consegue ficar sem um zunzunzum de fundo. Nas raras vezes que nossos alunos sentam para fazer suas tarefas e rever o que foi ensinado no dia, terá como pano-de-fundo uma TV ou um computador ligado. Além do IPod e do celular, o qual ele pára o tempo todo para selecionar uma nova pasta ou atender e ver se recebeu alguma mensagem. Concentração zero!


A questão é que hiperativos há em todo lugar, pois é uma doença comprovada e não depende de raça, cor ou nação para nascer um privilegiado. Mas no Brasil acostumou-se tratar os alunos com DDA - Disturbio de Déficit de Atenção- como se fossem hiperativos. Pode acontecer de uma pessoa ser contemplada com os dois problemas, o que não é raro. Mas são coisas distintas.


O que chama a atenção é o fato de que até alguns anos atrás não de ouvia falar em DDA. Sempre houve os 'agitados', que hoje sabemos serem os hiperativos. Mas estes não permaneciam na escola por muito tempo, o próprio sistema se encarregava de fazê-lo desistir de frequentar as aulas por muito tempo. Mas o que estamos observando agora é uma verdadeira avalanche de alunos com problemas de atenção.


Eu desconfio de duas hipóteses, sendo que uma não exclui a outra. A primeira se deve ao fato do grande número de informações a que os jovens são submetidos. A essa agitação mental ocasionada primeiramente pela TV, depois pelo IPod, Internet, MSN, jornais, revistas...tudo cujo valor e importância nas nossas vidas é indiscutível. Porém, tudo isso não passa de distração. Observe bem a palavra: "Dis-tração", atenção pulverizada, difusa. Ao contrário da leitura, a que bem poucos se dedicam, e que estimula justamente o oposto: a "con-centração", o focar, o convergir a um único ponto toda a nossa energia.

É óbvio que o Cartoon vai defender que fazer dever de casa na frente da TV é possível! Nada mais natural, afinal, eles vivem disso!

E a segunda hipótese é que as aulas, assim como os professores e todo o sistema educacional tornou-se obsoleto, desinteressante. É um inferno na terra para um jovem cheio de energia, criatividade e acostumado à velocidade, permanecer no mesmo esquema educacional de cinquenta anos atrás.

É preciso reinventar a escola, modernizá-la, sem dúvida. Mas antes de tudo é preciso reinventarmo-nos. Como diretores, políticos, professores, precisamos nos tornarmos mais interessantes, mais sedutores. Como diria Umberto Eco, seduzir como uma forma de "trazer a si", aproximar o objeto do desejo, no caso o aluno, não a nós, mas ao gosto pelo conhecimento. Fazer da escola um lugar vivo, onde todos os sentidos possam ser despertados e utilizados.

31 outubro 2008

Seres andantes



Há mais ou menos uns 17 anos li uma reportagem que dizia que "somos seres andantes". Não sei por que esta afirmação jamais me saiu da cabeça. Na época, muito mais jovem, estudava em Viçosa. Uma Universidade longe de tudo e onde tudo é longe. De uma aula a outra, haja fôlego! Isso de segunda à segunda, das 7 da manhã as 23:00 da noite, que era o horário absurdo em que saíamos das últimas provas.

Como sempre, pobre, andava à pé. Mas isso não me incomodava, nem nunca foi motivo de revolta. Fazia minhas andanças com imensa satisfação, mas sem pensar muito sobre elas. Apenas andava. Não havia preocupações 'ecológicas', como o uso abusivo dos recursos não renováveis, o dióxido de carbono liberado no ar ou a questão dos males adventos do sedentarismo. Nada disso me passava pela consciência, e acho que de bem poucas pessoas no Brasil daquela época.

O tempo foi passando e, quando dei por mim, estava dirigindo. Obcecada pela questão 'tempo' achava que deixar o carro na garagem e fazer qualquer coisa à pé seria loucura. Não teria tempo pra cumprir com os muitos compromissos que havia assumido. Alguns anos mais se passaram e comecei a reparar que minha saúde não era mais a mesma, muito menos meu corpo!

As gordurinhas iam se acumulando, vivia tensa, estressada. E fazia massagens para tentar compensar o prejuízo. Inchava muito, meus pés viviam parecendo pão-de-batata.

Demorei pra perceber que precisava me livrar do carro o mais rápido possível. E demorei mais ainda para tomar essa atitude. Confesso que só neste ano tomei a tal decisão.

No começo bateu insegurança de todo tipo: não terei tempo de fazer minhas coisas, minha filha vai estranhar (ela nunca gostou de caminhar), ficarei limitada com a questão das roupas, pois fazer tudo à pé exige roupas e calçados apropriados, enfim, foram tantos os obstáculos que me coloquei que pensei que não seria possível, mas surpresa: está sendo totalmente viável, possível e prazeirozo!

Vejo meu corpo mudando dia-a-dia. Minha saúde e muito, muito, menos tensão. Minha filha faz suas atividades acompanhada com as amigas, vão conversando, conhecendo pessoas, descobrindo uma ou outra lojinha, sentindo a cidade, vivendo a cidade.

Acredito que é assim que deve ser.

Infelizmente não temos esta preocupação no Brasil de morar perto do emprego, da padaria, da escola, da livraria... Coisa que nos permitiria muito mais qualidade de vida, maior relacionamento com os 'cidadãos' e muito mais saúde.

Ao caminhar movimentamos o sistema linfático, que é o responsável pela eliminação de uma série de substâncias tóxicas. Quando não caminhamos ficamos como que com um reservatório de água parada dentro de nós. Mas não só água, água com alguns 'veneninhos' que não foram descartados. Não adianta muito outros tipos de atividade física, pois é o contato do pé com o solo, o impacto que faz circular a tal água parada de baixo para cima, que do contrário vai se acumulando. Os mais antigos diziam que uma canela fina era sinônimo de saúde, acho que eles tinham razão, pois isso denota que a pessoa não vem acumulando 'lixo' pelo corpo, portanto terá menos chance de doenças.

Além de tudo isso, gente, sou muito suspeita pra falar, caminhar é delicioso! Você vai sentindo a liberdade do seu corpo, percebe como ele é solto, livre. Sente os cheiros das ruas, da padaria, das árvores, cruza de frente com as pessoas, olha nos olhos, cumprimenta os desconhecidos, faz amigos, arruma briga com os cachorros e, observa, estarrecida, a loucura das pessoas dentro de seus carros. Como se vivessem em eterna urgência e desespero. É uma briga aqui por uma vaga, outra ali por uma paradinha onde não devia. Olhando tudo isso, de fora, penso: ufa! Que bom que não faço mais parte desse time!

Me reconheço totalmente como um ser que depende do movimento para viver, não o do carro, mas o meu próprio. E que, além de tudo, possuo um ritmo que é único e independente.

24 outubro 2008

Gato Preto



Coisa boa na vida é irmão, ou irmã, como no meu caso! E uma pessoa assim, tão especial, é um verdadeiro presente!

Quase nos matávamos quando crianças: ela me mordia e eu a arranhava.

Mesmo assim ela era minha defensora inconteste. Ai de quem se metesse à besta comigo, ela "esperava na saída da escola", enquanto a irmã 'pamonha' e chorona, eu, ia para casa aos prantos e deixava ela lá, na fogueira, por minha causa!

Apesar de mignon sempre foi brava e jamais fugiu de uma briga A primeira a alcançar os galhos mais altos das árvores, a pular na água e a experimentar qualquer novidade. Principalmente se a tal novidade oferecesse algum risco de vida!

Ela se achava a dona do flamboyant da frente de casa. Apesar de que isso não me incomodava. Pois mesmo sendo mais bonito, preferia a mangueira do quintal dos fundos. Desse jeito demarcávamos nossos territórios: ela, no iluminado, alaranjado, esplendoroso flamboyant e eu, na escura , escondida e velha mangueira.

Os pais deveriam observar desde cedo os talentos naturais dos filhos, suas brincadeiras preferidas, isso ajudaria muito no encaminhamento profissional. Criaria atalhos, impediria que ficássemos quebrando a cabeça entre várias opções. Na antiguidade e na Idade Média era assim, o pai que podia pagar, selecionava uma pessoa para ficar observando o filho e ver sua essência, para que desse modo fosse desenvolvido o potencial máximo daquele indivíduo. Foi assim com Carlos Magno, Platão, entre outras figuras que se destacaram em suas atividades. Hoje nem pais, nem professores, costumam reparar muito nestas coisas o que é um grande desperdício.

Mas, quem reparasse em minha irmã logo perceberia que ela gosta de perigo. Aos três anos escalou um armário enorme, só para pegar um doce de abóbora com veneno para ratos que estava lá em cima. Nem preciso dizer que quase morreu. E assim foi a infância toda. Talvez por isso, até a época de nos separarmos, quando fui para Viçosa e a deixei em Jahu, me sentia responsável pela sua vida, meio que anjo-da-guarda dela. Pois vá gostar de flertar coma morte assim, lá longe! Não sei quantas vezes meu pai teve que sair correndo para o hospital com ela.

Além das roupas pretas, a agilidade e o olhar felino, talvez, essas 'várias vidas', explique seu apelido: "Gato Preto".

Desde pequena ouço a história de que quando ela nasceu (prematura, com atrofia pulmonar, mas com pressa, com urgência de viver, como sempre) foi a única criança a sobreviver no hospital naquele dia. E que em casa não sobrou uma única galinha no quintal, algo aconteceu que matou todas de uma só vez! Observando seu Mapa Natal, vemos que Plutão andava furioso naqueles dias. Talvez isso simbolize sua resistência. Que é espantosamente sobre-humana. Resiste a tudo, desde veneno de rato a uma conjunção planetária atroz , só não resiste às tentações. Ama os prazeres da vida: uma boa mesa, uma roupa bonita e um belo gato! Afinal, a protegida de Plutão, também é humana!
Mas ela é doce, muito doce. Amorosa, família, companheira para qualquer hora ou atividade.

E possui uma peculiar filosofia de vida. Ela acredita que o divórcio deixaria de existir se uma vez por mês, num dia específico (como faz uma tribo indígena, que ela leu só Deus sabe onde) todas as mulheres dessem uma boa surra nos maridos. Com vontade mesmo! De deixá-los mortos. Isso acabaria com o lance de discutir a relação, ficar de bico, essas coisas que vão matando as mulheres por dentro de tanta raiva pelos absurdos que os homens cometem.(Só eles, lógico. Pois, nós, mulheres, formamos uma casta superior!)

Ela também acredita que as mulheres são mais estressadas porque não tem "saco" pra coçar, que por isso os homens são mais 'cabeça fresca', em vez de pensar, eles ficam se coçando no sofá. Ela pensa que deve haver algum mecanismo interno que liga esse ato, diga-se de passagem: horroroso, a algum lugar do cérebro que libera calmantes na corrente sanguínea. Assim eles passam o dia, o final de semana, o mês, vendo o replay do replay da copa de 82!

Filosofias à parte. Ela é muito especial.

Forte de verdade, mas sua verdadeira força está no caráter e no amor.

Será que precisa de mais alguma coisa?

19 outubro 2008

Generosidade



"Somente o poeta reza sem interesse.
Não paga imposto
por ter asas,
beija com lábios de criação
os seus "queros".
Reza com visão de arco-íris
promissora e pacifista.
Consagra com sua palavra o valor do silêncio.
Sente Deus próximo,
no lírio e no abacate.
Neutraliza o político escuro,
com pulsações
intermitentes
de luz.
Somente o poeta
está louco de verdade.
Sente o perfume
da vida
e do nada.
Impregna de beleza
as tempestades.
nem se vende,
nem, se compra:

se dá de presente."


Enrique Mariscal

17 outubro 2008

A toalha une, o jogo americano separa




Às vezes não paramos para pensar em como a implementação de alguns objectos revelam nosso estilo de vida. Tudo é símbolo! É símbolo de algo maior, das nossas crenças, costumes, desejos, preconceitos...

Nossas roupas, objetos pessoais, móveis, modos, revelam quem nós somos de fato. São nossos outdors. Propaganda explícita de quem decidimos ser e de como decidimos viver.

Ao escolher simplificar a vida e optar pelo prático jogo americano estamos optando pela solidão. Sim, porque a solidão é muito prática! Como diria Sartre "o demônio são os outros". Viver sozinho, limpar seu cantinho de comer, lavar seu único prato, fazer as refeições na hora em que bem desejar, é facílimo!

Nos esquecemos de como era bom fazer as refeições em meio a barulheira da mãe lidando com as panelas, o pai falando, avós reclamando, irmãos brigando! A toalha surrada do dia-a-dia, alguém sempre derrubando o suco, farelos de pão, grãos de arroz, sinais de vida, de alegria, de união, em meio ao aparente caos.

Podíamos nos lembrar mais vezes de que a palavra "comer" carrega o prefixo "com", que quer dizer "junto". O mesmo de comunhão, de compartilhar, de comemorar. Quem criou esse termo deixou implícita a idéia de que alimentar-se sozinho deixa algo a desejar.

Algo como se só estivéssemos alimentando o corpo, pois a ausência de companhia nos priva de que a alma também seja confortada.

Afinal todo alimento é sagrado e carrega uma forte carga de sacrifício, por isso deveria ser compartilhado como uma espécie de cerimônia em homenagem a toda a vida ali ofertada generosamente. Do animal que doou sua vida, da planta que ofertou seu fruto ou si mesma, o suor de quem trabalhou no cultivo das plantas ou na criação dos animais, de quem amassou o pão, lavou, picou os legumes, enfim teve paciência e dedicação para que aquele alimento chegasse pronto até nós. Por isso cada refeição deveria ser uma ato sagrado, de união, jamais de isolamento.

Lembro de uma entrevista com uma grande empresária do ramo de restaurantes. Ela dizia que o grande diferencial da sua rede era que ela fazia questão de manter o ambiente acolhedor, como se fosse a casa do próprio cliente! E que a cada dia ela se sentava para almoçar com um ou outro freguês e que não raras vezes algum chegava a chorar diante daquela atitude, pois ele dizia que o que sentia mais falta era de uma refeição em casa, com a esposa e os filhos. É engraçado como os homens são mais sensíveis a isso, até mais que as mulheres!

Claro que nem sempre isso é possível, os tempos, definitivamente, são outros. As várias ocupações que assumimos, os horários malucos e até a ausência da família por perto.

Por isso quando aparecer a oportunidade vamos colocar a mesa sim! Sentar junto, reunir a família, os amigos. "Sujar" a toalha, o chão, a casa , pois esses são, sem dúvida, os melhores momentos da vida. Nada de jogo americano!

Talvez não seja coincidência que a figura mais reproduzida no mundo durante tantos séculos seja a da Santa Ceia, pois ela simboliza nossa maior necessidade: união.

08 outubro 2008

Tempestades



Reparo que a natureza me cura. Há tempos conheço essa verdade, porém poucas vezes a aplico.

Não apenas no uso dos chás e das plantas. Não. É muito mais do que isso!

Fui uma criança solta. Em integração total com a natureza. Quando o ar trazia o cheiro de tempestade, com seus vendavais, nuvens negras e redemoinhos, corria pela estrada de terra, de braços abertos, rodopiando em júbilo, enquanto minha irmã ia para o alto das árvores balançar nos galhos . Minha avó ficava desesperada e voava para o quarto rezar. Meu pai, acho que de quem herdamos o gosto por essas coisas estranhas, ficava na horta revirando a terra e contemplando o cenário. Tempestade na roça não é igual na cidade. É muito mais agressiva, pois as muitas árvores fazem um barulho enorme, os animais se agitam e a terra se levanta, fazendo do céu um vermelhão só.

O que sempre acontecia era de um trator abrir a estrada que o mato ia invadindo, deixando montanhas de terra vermelha soltas nas laterais, imagina se não rolávamos naquele barro depois que a chuva caia? Não era simplesmente fazer guerrinha de barro, era entrar completamente na lama, passar por debaixo dos bueiros na enxurrada, e correr, correr loucamente como que para voar com o vento.

Meu pai achava a coisa mais natural do mundo e jamais tivemos um resfriado que fosse. Até hoje, somos bem resistentes. Minha sogra se escandaliza em me ver sair do banho e ir pro vento, lavar o cabelo no tanque depois de chegar suada da rua, dormir com os cabelos molhados, entrar no mar à noite ou debaixo de chuva. Não é desafiar a sorte, nem uma tendência suicida, mas necessidade de me sentir mais próxima da minha essência. De saber que sou forte, muito forte! Quem sabe porque fiz de um trecho do poema "I-Juca-pirama" um mantra pessoal:


"Sou brava, sou forte,

Sou filha do Norte,

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi"


Talvez o Fernando tenha razão em me apelidar de 'índia'. Desconheço qualquer traço indígena na minha família, mas sei que como eles tenho uma ligação fortíssima com a terra, com as plantas, com natureza. Ela me desperta, me fortalece no que tenho de mais essencial.

Quando tinha 14 anos tinha uma mobilete. Nesta época morava com minha mãe, que também não era adepta da vigilância. Morava em S.J. do Rio Preto, terra conhecida pelo grande calor e como consequente por tempestades fortíssimas. Volta e meia uma delas me pegava nas estradas de terra que cortavam vários municípios ao redor, onde andava para fugir da fiscalização. Sentir os pingos de chuva me cortando como agulha na pele e o vento no rosto eram das coisas mais maravilhosas que podia sentir. Por isso nunca entendi o que Fernando Pessoa quis dizer com "Pensar incomoda como andar na chuva", pois realmente adoro e é a maneira mais fácil de me ver na praia ou numa caminhada: debaixo de chuva!

Sentir o cheiro da terra molhada, o uivo do vento, o chacoalhar das folhas, me dão uma sensação de plenitude. Não sei explicar, em dias assim acho um desperdício dormir e poderia passar a noite na janela contemplando o espetáculo. Certa vez, quando ia de Rio Preto para o Paraná, uma enorme tempestade nos pegou entre Presidente Prudente e Maringá. Era de noite e todos no ônibus dormiam. Fiquei em transe com a beleza dos raios que cortavam o céu sem parar, nunca mais presenciei nada parecido. É como se alguma coisa em mim fizesse parte de tudo aquilo.

Como se eu fosse feita da mesma matéria que a terra, o vento, a água, as árvores. Não apenas na teoria, pois é verdade que temos a mesma composição. Mas é algo maior. Algo que desperta minha alma, me chama à vida, me prova que nada está morto.

07 outubro 2008

Quietude



Ele chegou assim como quem não espera mais nada da vida. O cansaço do corpo e da alma eram totais. O sinal da desesperança se alastrava por todo seu corpo, seu andar era arrastado, as costas curvas. Segurei no seu queixo, levantando o seu rosto: olhos de naufrago! Os cabelos desgrenhados, pareciam que tinham se tornado brancos de uma só vez. As asas mais pareciam de um frango de granja abatido. Nem de longe lembrava o esplendoroso anjo que um dia pousou no meu ipê.

Acompanhei, segurando-o pela cintura, para dentro da nossa casa. Casa tosca, como a mesa, as cadeiras, a cama, a nossa vida!

Chega um tempo em que as palavras tornam-se inúteis. Conhece-se cada vinco do rosto, cada ruga da mão.

Peguei a chaleira sobre o fogo e despejei na bacia. Dobrei a barra de suas calças puídas e como se tocasse o corpo frágil de um bebe, conduzi seus pés até a água morna. Fui ao quintal, colhi um ramo de alecrim, dizem que revigora as forças. Ajoelhei-me junto a bacia e macerei suas folhas delicadas sobre sua pele fina.

O tempo passou nessa quietude, a chuva parou, a escuridão tornou-se densa.

Será que ele tem sonhos? Será que eu tenho?

Observo as pedras pela janela, vultos escuros, sombrios, cobertas de musgos, cheirando a mar. Imóveis e tristes, belas e serenas, como só a velhice sabe ser.

06 outubro 2008

Ainda bem que vivo em Nárnia!



Cada qual vive como quer e, onde quer! Não é assim?

Este é um dos direitos primordiais do ser humano: o de ir e vir. Já imaginou se fosse diferente? Você, impossibilitado de visitar seus parentes, amigos, amores em outros lugares? Por isso decidi viver em Nárnia, lá vivem meus amigos: os faunos, criaturas incríveis por quem tenho grande apreço. Às vezes visito Forks, já que lá vivem os Cullen, meus queridos vampiros. Repito: cada qual vive onde quer, ou onde se sente melhor!

Manuel Bandeira sofria terrivelmente de uma doença respiratória que mais tarde revelou-se tratar de uma tuberculose, sua vida limitava-se a quatro paredes e uma cama de solteiro, por isso decidiu ir embora para Passárgada.

Há quem aspire o Céu com seus anjos, outros o Paraíso com inúmeras virgens e fontes transbordantes, outros ainda decidem ir para Xangrilá. O problema é que as pessoas pensam que só podem ir para onde seus corações almejam depois da morte. Eu decidi ir em vida!

Minha irmã, pessoa que confio muito, e que é um exemplo de honestidade, me falou:"Depois que aprendi a apertar a tecla 'foda-se' minha vida melhorou muito!". Infelizmente, não sei se é defeito de fabricação, mas ainda não consegui descobrir onde fica esta tecla em mim. Então, enquanto ela não aparece continuo em Nárnia, na Terra Média, em Forks, onde mais as fadas, os elfos e centauros me levarem.

24 setembro 2008

Gosto pela secura



Desenvolvi uma aversão pelas coisas macias.

Não sei de onde isso veio. De um dia para o outro me peguei com pavor de uma cama fofa, de um sapato confortável, de um copo de leite morno...

Por mais que me doa, gosto de caminhar descalça no frio, deitar no chão gelado, comer o que está esquecido sobre o fogão.

Os ambientes áridos e inóspitos me atraem e prefiro vislumbrar o deserto que a uma bela praia ou cachoeira.

Sei que é apenas uma fase. Logo passa e voltarei a sentir prazer nas coisas boas. Mas não desprezo o que a vida me traz. Se chuva, bem! Se sol, bem também. Serenamente transito entre um estado e outro. Entre uma disposição e um desânimo. Entre o aconchego e o abandono. Aprendi que não dá para ter tudo sempre. Muito menos manter a coerência todos os dias, pois a confusão é o meu estado natural.

Caos e ordem tudo junto, na mesma casa, na mesma pessoa.

Cansei de lutar contra minha natureza e resolvi aceitar tudo o que sou.

Consigo ver razão em tudo o que existe, até nas coisas feias, na miséria, na amargura e até na morte.

Muitas vezes é preciso saborear o fel das adversidades, rolar com elas por terrenos pedregosos e contemplar a ferida aberta.

Só assim se cresce, só assim criamos olhos sensíveis às belezas simples da vida.

04 setembro 2008

Bonitinha, mas ordinária



Assim é a Língua Portuguesa para mim, como o título da peça de Nelson Rodrigues, um drama de paixão e ódio! Ao mesmo tempo que me encanta com suas múltiplas facetas, me faz odiar a vulnerabilidade de suas regras! Decididamente, tentar aprender e, pior, entender tantas regras é das lutas, a mais vã!

O pior é que as pessoas pensam que por eu ter feito Letras tenho a obrigação de dominá-la. Infelizmente não é bem assim. O que mais fazemos na faculdade é confrontar inúmeras explicações para um mesmo assunto, sem chegar a conclusão alguma.

A Língua Portuguesa é uma matéria em transição. Ela luta com as regras criadas em pleno Positivismo, que ainda são cobradas em concursos, entre os quais o vestibular, e uma visão totalmente dinâmica, inovadora, que comprova que tais regras contemplam uma língua irreal, que não existe na prática. Contudo, enquanto a gramática tradicional continuar sendo exigida, e não se encontrar uma teoria mais satisfatória que a substitua, que dê conta de toda diversidade linguística existente, ficaremos assim sem saber ao certo o que fazer, qual regra aplicar e, muito pior, o que ensinar. Se nem mesmo entre os grandes gramáticos existe um consenso em questões aparentemente simples, como: o que é sujeito oculto ou um sujeito inexistente! Cada qual apresenta a sua própria definição, que antes clarear fazem é jogar areia nos nossos olhos.

Grande parte dessa confusão começou por querermos dar à Língua um caráter de ciência. Sem dúvida, há sim muita previsibilidade na forma como ela se estrutura; podemos estabelecer sistemas, normas. Porém, temos que ter a clara consciência de que estas regras não darão conta de tudo. A Língua é um sistema vivo e aberto, ou seja, está em constante evolução e não se limita a padrões estanques, assim como toda ciência da área de Humanas.

Dizem que o que mais define um povo é a sua língua. Foi até por esse motivo que a Língua Portuguesa foi institucionalizada. Na época (1262), Portugal vivia em confronto com a Espanha, que volta e meia tomava o poder e dominava toda a península. O meio que o rei Dom Dinis encontrou para fortalecer o senso de nacionalidade entre os seus súditos, foi estabelecer uma língua comum e obrigatória para todos. Entre os vários dialetos existentes optou-se pelo português. Com isso criou-se uma barreira mais eficiente que milhares de soldados. Até que para portugueses eles foram bem espertos! Mas não poderiam ter escolhido alguma coisa mais simples?

Será que é significativo pensar que a língua é um retrato de nós mesmos e por isso temos a Língua Portuguesa com suas inumeráveis brechas, portas abertas a infinitas regras e interpretações? Bastante maleável, quem sabe para se moldar ao gosto do freguês? Assim como as palavras da nossa Constituição, escritas no bom e velho português, você sabe que a lei existe, mas pode ter tantas caras e interpretações quantas desejarmos, ou for conveniente.
Quem nunca desejou que nossa língua fosse como o inglês ou o alemão: regras claras! O sim que quer dizer sim, o não que diz realmente não? Eu desejo isso todos os dias! Pois não há um só dia que não tropece nesta bendita pedra que é Língua Portuguesa.

02 setembro 2008

'b' de básico



Há quinze anos ouço o Fernando dizer todas as vezes que vou fazer alguma compra:" Lembre-se dos 3 'bs'!"

Os '3 bs' a que ele se refere diz respeito a seguinte regra: só compre o que for bom, bonito e barato. Minha filha cresceu ouvindo esse tipo de coisa, e agora, em plena adolescência, no afã por querer tudo, e tudo ao mesmo tempo, resolveu inovar: "Mãe, agora para mim são 4'bs': bom, bonito, barato e bastannnte!"

Não sei onde isso vai parar, e antes que os 'bs' continuem a se multiplicar, propus uma nova regra: diante de qualquer compra, apenas um único 'b', o de básico!

Isso para tudo, desde produtos de limpeza (que sempre olhei com desconfiança para aquela diversidade enorme nas gôndolas) até para eletrodomésticos, móveis, carro e até casa. Não gosto de nada espalhafatoso e exagerado, se bem que esses são conceitos muito relativos, pois cada qual tem uma idéia diferente do que seja pouco e do que seja muito. Mas de maneira geral sabemos diferenciar o básico do exagerado pelo seu efeito a longo prazo. O exagerado é aquilo que depois de um tempo não suportamos mais olhar. Ao contrário do básico, ou clássico, que é silencioso, não fere os sentidos, por isso não cansa.

O básico nem sempre é o mais barato, mas também não precisa ser necessariamente o mais caro. E a longo prazo ele acaba compensando economicamente, pois quando digo básico não me refiro apenas à aparência, mas também à quantidade: comprar só o que é útil naquele momento, na quantidade e no tamanho exatos. Não entendo a lógica de armazenar, pois não estamos em guerra e temos sempre à disposição roupas lindas, alimentos frescos e tudo o mais na hora em que precisamos! Por isso ao invés de comprar 3 pares de sapatos por que não comprar apenas 1?

Nem preciso dizer que minha filha odeia essa teoria. "Mãe, como que pode um único par brincos por meses? Uma única calça, ainda mais assim: sem nenhum strass, brilho, aplicação...??" Nada contra as firulas, mas enjôo logo, o que acaba gerando desperdício.

Volta e meia me encontro na rua com um conhecido, dono de uma loja, e ele sempre fala: "Vai lá na loja, chegaram coisas lindas!" Respondo: "Realmente confio no seu bom gosto, mas é que não estou precisando de nada no momento". O que ele pensa, não sei, mas a minha filha tenho certeza que tem vontade que o chão se abra. "Mãaae, ninguém compra roupa apenas quando está precisando!" Simulo ingenuidade: "Ah não? Estranho isso."

Às vezes me sinto um ET, mas só às vezes, pois felizmente conheço várias pessoas que compartilham comigo dessas idéias. Há hoje em dia uma consciência maior. Nunca se falou tanto em consumo consciente e em reciclar o que já se possui, pois sabemos que se continuarmos neste ritmo caminharemos para um colapso. Não apenas com danos para o planeta, mas primeiro para a nossa própria vida, pois o excesso de tralha é oneroso, ocupa tempo e espaço demais!

É necessário reinventar outros prazeres para preencher nossos espaços e tempos, outras fontes de satisfação mais saudáveis para todos. Consumindo o básico nos tornamos mais leves, desprendidos. Temos a certeza de que somos nós que utilizamos das coisas e não elas que nos utilizam.

Não sei se é utopia, mas acredito que esse seja o primeiro passo para a tão almejada liberdade.

01 setembro 2008

O meu, o seu, o nosso cheiro



Já parou para pensar em por quê sentimos cheiro?

Aparentemente, tirando o prazer ou desconforto que os cheiros nos causam, não há nenhuma utilidade para tal sentido. Bem diferente da audição, do toque, do paladar e da visão, cujas utilidades facilmente identificamos. Mas não é bem assim. O olfato faz parte de um sofisticado sistema de proteção à vida. É por meio dele que distinguimos alimentos, ambientes e até pessoas benéficas de maléficas. Sem o olfato morreríamos rapidamente.

Uma casa para ser acolhedora tem que ser limpa a fim de transmitir a sensação de segurança. Quando há algum cheiro ruim nosso corpo se põe em estado de alerta, portanto não relaxamos, não nos sentimos em casa! Ao identificar um cheiro como bom nosso sistema olfativo envia ao cérebro a mensagem de que pode abaixar a guarda, dormir em paz, o ambiente está livre de perigo.

Outra peculiaridade do olfato é a sua capacidade de nos transportar a lugares distantes, a pessoas e situações especiais. Quem nunca se sentiu conduzido a algum lugar da memória por meio de um simples perfume? Sabendo disso algumas lojas começam a criar seus próprios aromas, muito bem estudados, a fim de nos remeter aos sonhos antigos, lembranças da infância, conforto de casa, abraço de avó... ai, quando menos percebemos, já estamos levando a loja toda. É, infelizmente os profissionais do marketing não se envergonham em utilizar nossas mais caras lembranças para vender! Nessas horas é bom deixar o olfato de lado e abrir bem os olhos para os preços nas etiquetas e no nosso saldo bancário.

Também uma arma antiga, e que foi muito utilizada durante a Guerra Fria para destruir um inimigo ou descobrir seus segredos, consistia em enviar-lhe uma mulher lindíssima e, claro, cheirosa, dessa forma ele seria facilmente enganado, pois diante da beleza e de um bom perfume nos desarmamos. Também por isso que há tanto assalto cometido por pessoas bem vestidas e limpinhas, para não causar alarme. Pessoas nestas condições nos transmitem confiança.

Outro dia li que para tentar conter a violência nas grandes cidades já se estuda a hipótese de colocar aromatizadores em locais públicos, como escolas e estações de metro, pois os mais diversos odores nestes ambientes estimulam a animosidade entre as pessoas. Na verdade é o que Paulo Freire dizia: 'o homem não suporta o cheiro do homem', sendo assim talvez o problema da violência fosse até amenizado com o uso de aromas pacificadores , ao menos traria muito mais conforto não sentir o cheiro dos nossos vizinhos no trem ou dos colegas de escola depois da educação física, porém será que não estaríamos nos enganando de alguma forma? Deixando de conviver, respeitar e aceitar os cheiros alheios, que, afinal são naturais e não são muito diferentes dos nossos?

Mas tirando estes pontos que envolvem espionagem, assaltos e compras por impulso, o olfato é muito confiável, ele é o nosso grande aliado na escolha de amigos e de um companheiro. Quando gostamos do cheiro de alguém, nossos sentidos, que são muito mais rápidos que a nossa mente, já identificou o que talvez demoramos meses ou anos para perceber: aquela pessoa nos faz muito bem!







20 agosto 2008

Palavra singela



Busco a palavra singela,
A expressão exata de mim mesma.
Não procuro termos rebuscados nem difíceis,
Muito menos mostrar conhecimento algum.
Poesia é muito mais que isso.
Ela não é nenhum tratado sobre o amor, a dor ou a beleza.
É o próprio amor, a própria dor, a própria beleza.
A prosa sim, pode cuidar de explicar,
como flecha tem a missão de ser objetiva, como agrada a mente.
Poesia é bolha-de-sabão, brincadeira de criança,
experiência física, linguagem que só o corpo conhece.

Época de eleição, eu proponho uma nova lei: abraço e beijo têm que constar na cesta básica de todo ser humano!



Outro dia li o seguinte:


"4 abraços por dia, dão para sobreviver; 8, ajudam a nos sentir vivos; 12, fazem a vida prosperar"


Tenho um amigo que possui sérias complicações motoras que, infelizmente, são irreversíveis. Isso porque desde o seu nascimento até mais ou menos 2 anos de idade, ele passou no berço de um orfanato. Não lhe faltaram banhos, roupas limpas, nem alimento. Mas faltou sim o imprescindível: o colo, o contato físico!

Quando nasci, era a única criança em casa para 4 adultos, meus pais e meus avós. De modo que passava o dia de colo em colo. No contado carinhoso daqueles braços, ouvindo as mais diferentes cantigas, ritmos e balanços que cada um me proporcionava cada qual a seu modo. Carinho nunca é demais, e a gratidão que sinto pelo amor de cada um deles seria impossível descrever.

Jamais concordei que lugar de criança seja no berço ou no carrinho. Afinal, anatomicamente, fomos feitos pra acolher, abraçar, ninar, coisas que, por mais modernos e bem feitos que esses equipamentos sejam não conseguirão proporcionar.

Mas, se nas crianças a falta de afeto cria problemas tão visíveis, o que será que acarreta nos adultos? Difícil saber ao certo, mas podemos ter uma idéia tal a quantidade de neuras e bloqueios que sentimos na própria pele e ao observamos nosso redor. O mais comum é o insano rodízio de parceiros sexuais entre as pessoas, pois o sexo é o contato mais direto que o adulto conhece e se permite. Tanto que em uma briga de marido e mulher a primeira coisa que se restringe é o sexo, que não é mais do que uma punição e significa: estou te privando do que há de melhor para o ser humano: o toque.

Assim as deficiências, as carências, vão se acumulando, pois se, conscientemente podemos saber que somos amados, sentir-se amado é coisa bem diferente.

Muitos justificam sua dificuldade em lidar com o contato físico com expressões do tipo: "meu filho (esposa, pai...)sabe que eu o amo, que tudo o que faço é por ele (por ela...)por isso não preciso ficar de beijos e abraços!"

Será?

É difícil admitir, mas a capacidade de demonstrar afeto por meio do contato físico é uma forma de inteligência. A boa notícia é que todos podemos desenvolver esse lado, se até os políticos conseguem! E o resultado é tão efetivo que muitos eleitores passam por cima do caráter do candidato só por causa do seu temperamento caloroso.

Você já se perguntou por que é tão difícil no dia-a-dia abraçar uma, duas, três vezes nossos familiares? Onde está escrito que é exagero?

E os amigos? Até os de trabalho, lógico que será diferente, mas podemos dar pequenos toques demonstrando solidariedade, admiração ou simplesmente um 'podecontarcomigo'.

Quem não gosta de chegar num lugar e ao invés de um simples aperto de mão, esse vier acompanhado de um abraço, de um cafuné, um afago , mistura tudo isso a um olhar sincero, pronto!

Dá pra entender porque a frase do início do texto diz que com muitos momentos assim a vida prospera, pois o afeto fortalece de tal modo que nos sentimos capazes de tudo. Ao contrário da falta de afeto que pode minar as forças até de um gigante.



17 agosto 2008

Mês de cachorro-louco?!?




Agosto, mês de cachorro-louco, por isso mês da raiva. De onde tiraram isso?

Será que o ditado tem razão: onde há fumaça há fogo?

Mas justo Agosto, um mês tão sóbrio, tão elegante! Representado pelo número 8, símbolo do infinito!

Para mim, em especial, o mês de Agosto sempre teve um ar de tristeza, tinha 3 anos quando meu avô morreu no dia 22 desse mês. Tenho apenas flashes de lembranças dessa época. Lembro-me dele deitado em uma mesa fria. Depois, no cemitério, a sensação de abandono e desalento, não apenas por causa da tristeza das pessoas, mas também pela secura das plantas, pelo vento monótono e enjoado, característico do mês. Desde, então, essa foi a minha percepção de Agosto. Além do mais que neste mês não há uma só data comemorativa, um feriadinho e, na minha família, nenhum aniversário!

Porém mesmo sem festa, Agosto deixou de ser um mês triste para mim.

É um mês forte, sem dúvida, mas não necessariamente ruim. Percebo as pessoas mais recolhidas, voltadas às suas próprias vidas, talvez seja época de armazenar forças para darmos conta de tudo até o final do ano.

Sinto que é isso: época de semear no escondidinho da terra do nosso íntimo nossos sonhos e projetos, por isso, tudo fica mais silencioso e temos a impressão de que silêncio é tristeza, o que não é verdade.

Este ano, em especial, fomos contemplados por 2 eclipses muito fortes neste mês e uma conjunção planetária singular, formada pelos grandes titãs do céu: Sol, Urano, Plutão e Marte, planetas poderosos, propulsores de reviravoltas e mudanças, que em outras palavras significa, energia extra! Justamente porque, como tão bem explica a física: para vencermos a inércia se faz necessário uma carga maior de força.

Só que essa energia a mais pode vir de uma forma inesperada, a raiva! Acarretando mudanças sim, mas mudanças que tiveram origem em discussões e mal entendidos, o que não é legal.

Essa grande energia acumulada não deve ser lançada, assim, de qualquer modo, uma raiva bem direcionada pode fazer milagres! Afinal, numa esfera sutil ela não passa disto: energia. E como tal, pode ser usada da forma que quisermos. Infelizmente não fomos acostumados a lançar sobre as pessoas jatos de amor, amizade e compaixão, por isso fazemos o que sabemos: brigar! Pura falta de treino, amadorismo do nosso planeta tão jovem.

No entanto, penso que já estamos cansados de repetir sempre os mesmos erros, pelo menos eu estou e decidi que Agosto não será mais o mês da raiva. Chega de cachorro-louco solto por ai!

Em resumo é isto: a bomba energética está aqui, nas nossas mãos, e só cabe a nós decidir o que fazer com ela. Por isso este mês, mais que qualquer outro, prevalece a nossa decisão, talvez, por isso, ele se chame "à gosto"!


14 agosto 2008

Reta intenção



Diz o ditado que de boas intenções o inferno está cheio! Será verdade?

Segundo a filosofia budista, há 8 caminhos pelos quais podemos buscar nos aperfeiçoarmos. Cada caminho é denominado 'reta', são elas: Reta Consciência, Reta Palavra, Reta Ação, Reta Vida, Reto Esforço, Reto Saber, Reto Recolhimento e Reta Intenção.

Quando pegamos um copo no armário e percebemos que ele não está lá muito bem limpo, logo pensamos "onde a pessoa estava com a cabeça enquanto lavava a louça?" Nunca saberemos, porque, talvez, nem ela mesmo saiba, pois poucos têm o costume de reparar no que faz, muito menos no que pensa. Uma coisa é certa: ela não tinha a intenção de deixar o copo sujo, porém não tinha a intenção de deixá-lo limpo também, pois se esse fosse claramente seu objetivo o trabalho teria saído bem feito. O mesmo acontece com políticos, engenheiros, pais e mães diariamente.

A intenção por trás de cada ato que praticamos faz com que fiquemos cientes de tudo o que fazemos.

Atenção Plena, esse é o objetivo de toda prática e filosofia budista.

Voltando ao ditado lá do início, acho que ele é uma forma de tentar justificar atitudes distraídas (outro nome para negligência). Dessa forma deveríamos mudar a frase para " de gente que não presta atenção no que faz o inferno está cheio."

Essa questão da intenção é tão séria que dificulta até a aplicação das leis. Outro dia ouvia o caso de um pai que antes de pegar a filha na escola, passou pelo bar e tomou uma cerveja (não me lembro a quantidade). Depois de pegar a criança, bateu com o carro e a filha morreu. Trágico não é? É óbvio que ele não tinha a intenção de matar, mas também não estava muito clara na sua consciência a intenção de proteger a criança, que seria sua primeira responsabilidade como pai. E ai? Como aplicar a lei neste caso?

As pessoas não imaginam quão poderosa é uma boa intenção, e do quão prejudicial é a falta dela! Já imaginou se ao invés de simplesmente fazer a comida a mãe tiver a intenção de nutrir de forma eficiente a família? E o estudante que tem a intenção clara de fazer bem feito o seu curso na faculdade?

A boa intenção pode não nos dar garantia de que seremos reconhecidos e bem sucedidos sempre, pois estamos o tempo todo dependentes das intenções das outras pessoas, no trânsito, na política, na educação dos nossos filhos, dos colegas de trabalho. Mas seguramente ela nos traz paz de espírito e tranquilidade, pois sabemos que a nossa parte foi feita e, bem feita.

O hábito de observar nossa real intenção nos coloca como sujeitos autônomos da nossa vida, ou seja, nos liberta do piloto-automático, de sermos maria-vai-com-as-outras. Claro que com a autonomia nossa responsabilidade aumenta muito, pois passamos a ser conscientes do que fazemos, porém isso é infinitamente melhor que fazer as coisas às cegas.


13 agosto 2008

Abobrinhas...



Você já reparou na versatilidade de alguns alimentos? Tê-los em casa é como ter um curinga, nunca ficamos desprevenidos.

Entre os mais conhecidos estão a mandioca, o milho, a batata e a abóbora. São alimentos baratos e encontrados com facilidade em qualquer lugar. Além do mais, com exceção do milho, possuem alta durabilidade.Me encantam estes alimentos, gosto de vê-los na fruteira, de acariciá-los e descobrir em quê eles querem se transformar. Mas de todos o meu favorito é a abóbora, nas suas mais diversas variedades.

Uma vez, quando devia ter uns 14 anos, descansava deitada numa rede, era domingo à tarde. À minha frente estava a horta, com um pé de abóbora imenso se esparramando pelo quintal. De repente, enquanto observava uma flor em particular, desapareceram-lhe os contornos naturais e ela ficou ali, jorrando uma luz clara e radiante, gratuita e feliz.

Com o tempo tendemos a duvidar destas experiências, pois a lógica e o receio do que as pessoas possam pensar a respeito acabam por travar até nossas visões mais bonitas. Então, se vi ou se sonhei, não sei. O que sei é que na minha lembrança ainda vejo a flor da abóbora iluminada, real e radiante como naquele dia.

Desde então, a abóbora tem ocupado um lugar de destaque na minha cozinha e, principalmente no meu prato.

Sendo o seu doce o meu preferido em sabor e beleza. Gosto de fazê-lo calmamente como num ritual, deixá-lo apurando 1, 2 ou 3 dias, dependendo da quantidade de água que a fruta carregar, ficar observando como que com o calor a cor vai se firmando, passando do amarelo pálido a um alaranjado robusto e brilhante. Depois é só colocá-lo em uma compoteira de vidro transparente, pois seria um desperdício esconder tanta beleza.

E o cheiro que fica em casa nestes dias de preparação? Inconfundível e acolhedor: abóbora, açúcar , cravo e alfavaca (segredo de família).

Mas nem só de doce vive essa estrela. Com a variedade 'moranga' também gosto de fazer salada. Cozinho os pedaços em cubo no vapor para que não amoleçam demais, depois de frio tempero-os bem, era a preferida da minha avó e hoje é da minha filha. Para dias mais frios, caldo de abóbora com creme-de-leite e salsão, divino!

E as outras variedades, todas igualmente versáteis e saborosas? A abóbora-paulista fatiada na transversal, bem temperada fatia por fatia e assada na grelha durante um churrasco é perfeita para acompanhar a carne. A abóbora-menina, tenra e verdinha, picada bem pequenininha e refogada com uma pimenta-de-cheiro com arroz e feijão, hummm é magnífica.

Se eu for ficar falando de todas as abóboras e nas infinitas fórmulas de prepará-las este texto não terá fim. Além do que este não é um blog de receitas e sim sobre coisas das quais gosto e que me fazem bem e, que com certeza, a abóbora é uma delas.

09 agosto 2008

Fome de quê?



Quando eu era criança não gostava de comer. Nem eu, nem a minha irmã. Isso era motivo de desespero para o nosso pai que, para nos livrar da inapetência, preparava uma fórmula horrorosa. A receita era o seguinte:

1 vidro de óleo de fígado de bacalhau, a famosa emulsão Scott, 1 de biotônico Fontoura, 2 ovos de pata crus, tudo no liqüidificador.

À vezes ele queria incrementar, então colocava aveia e rosquinhas Mabel! (Atenção, pais, não tentem fazer isso em casa!) Tanto eu quanto a minha irmã, acreditamos que tal gororoba, ou melhor, receita, deu tão certo que temos fome para pelo menos três gerações depois de nós, isso já começo a comprovar pela minha filha.

Não há nada que não gostamos e frases como "me faz mal" ou "tenho nojo", não fazem parte das nossas vidas.

Mas, mesmo gostando tanto de comer, sou uma pessoa da Fome. A escolhi como companheira e mestra, de livre e espontânea vontade, pelo menos depois das 6 da tarde e às segundas-feiras, dia que escolhi para jejum.

Quando nos permitimos sentir fome, estamos nos permitindo conhecer mais de nós mesmo, do nosso corpo e vontades.

Se você está com um grande problema, sai para se divertir, assiste a um filme, namora ou toma um tranquilizante, que pelo menos por algumas horas o esquece. Mas e a fome? Como namorar, assistir a um espetáculo e dormir com ela? Como esquecê-la?

Ela é voraz, não aceita nada menos que todos os nossos instintos e sentidos direcionados a si.

No entanto, o que mais gosto nela é seu efeito contraditório: ao mesmo tempo que debilita, revigora. Há um ditado que diz que 'nos torna lentos e tristes, mas clareia mente e atiça a luxúria'.

Por isso os padres têm fama de glutões. Comer acalma as querências e vontades de todo tipo.

Já a fome desperta os sentidos, nos dá a noção exata de qual a nossa verdadeira fome.

04 agosto 2008

Satisfação



Nos últimos tempos tenho me tornado uma pessoa amarga. Uma amargura que é fruto de uma constante insatisfação. Vivo insatisfeita com minhas não-realizações profissionais, com meu corpo, minha casa, com a política, com a cidade em que vivo... Sei que esse não é um sentimento exclusivo meu, afinal o mundo moderno com todas as suas vantagens e facilidades tem produzido um verdadeiro exército de insatisfeitos.

Além do mais em alguns momentos da vida necessitamos parar para definir metas para o futuro e, para isso se faz necessário um inventário de tudo o que fizemos até então, e o pior, do que deixamos de fazer. Evidentemente que isso gera crise, desconfortos de todo tipo, mas querer melhorar é sempre bom, por isso é bem vinda a insatisfação. O problema é quando ela vira obsessão e esse melhor não chega nunca!

É estressante pensar que nunca alcançamos o ponto ideal, afinal o colocamos cada vez mais alto.

E como a insatisfação cansa! Nos deixa esgotados!

Hoje estou aqui, com o pé engessado, não posso me levantar, nem fazer as coisas que normalmente faria. Minha filha está de férias e neste momento passeia pela rua de bicicleta. As plantas lá fora ficam como que me pedindo para que eu as toque, remexa a terra, tire as folhas secas. Tenho vontades...inúmeras: caminhar, arrumar os armários, cozinhar..., prazeres duvidosos para alguns, mas excelentes para mim!

No meio de tanto o que fazer e a condição limitada em que me encontro me pego num estado que há muito tempo não sentia, me pego satisfeita!

Sabe aquele sentimento de que tudo está bom? Aquele momento de rara lucidez no qual percebemos que tudo o que é importante, de fato, nós possuímos?

A cama quentinha, os travesseiros nas posições certas, a janela aberta, o vento solitário e amigo de Agosto, os cabelos levemente despenteados e, o melhor, o corpo relaxado, livre de qualquer tensão.

Me lembrei de quando era criança e ia pescar com o meu pai, tardes monótonas de domingo em que o ar, o sol, a água e até os peixes pareciam satisfeitos, contentes por existirem!

Nestes momentos é como se entrássemos na essência das coisas. E os demônios da pressa e da falta de tempo ficam sem permissão de nos visitar.

Obviamente que não podemos viver assim neste estado de eterna contemplação, do contrário ainda estaríamos vivendo em cavernas. Contudo, às vezes, é bom pararmos. Se não por vontade própria, por força maior, como no meu caso. Deveríamos nos permitir mais esse luxo que é o ócio, que na medida certa nos abastece de paz e plenitude.

E como há muito tempo não experimentava me senti banhada por uma chuva de contentamento, renovada, refeita. Como a um bebê depois de um banho quentinho e amamentado. Nossa, que coisa boa!

02 agosto 2008

Apenas um sonho



Sonho com cavalos.
Cavalos-esqueletos, cavalos pela metade.
Alguns metade vivos, outros, metade mortos.
Não importa! Todos são velozes
e dominados por uma ânsia, por um querer imenso
que atropela as convenções da falta de carnes,
de músculos e de tendões, até a da falta de vida.
Há o desejo dos campos e isso basta!
Posso ouvir seus relinchos, seus ossos se debatendo...
Não sei...por um instante não sei se são eles, os cavalos,
ou se sou eu, a Patrícia...
Minha respiração ofegante, o suor que cai abundantemente,
o coração que parece saltar pela boca...

Me acalmo, lembrando que é apenas um sonho.
Apenas um sonho, me convenço disso!

17 julho 2008

Do comum ao herói



Para Jung a maior realização do ser humano é encontrar-se com a sua essência, na linguagem psicanalítica com o 'Self'. E esse processo de encontro da alma e purificação do Ego, dá-se o nome de Individuação.

Há um contraponto ai: Alma X Ego. A Alma como sendo aquilo que é eterno, verdadeiro, incorruptível; o Ego as nossas máscaras, vaidades, as mentiras nas quais gostamos de acreditar. Dai palavras como 'egoísmo', 'egocentrismo' e tantas outras que designam uma vida voltada apenas a si mesmo. Há uma diferença enorme entre cuidar da própria vida e ser egoísta, entre tornar-se indivíduo e tornar-se egoísta.

Porém, o caminho até a alma é difícil, não se chega facilmente, dai que muitos desistem. A alma é geniosa, difícil de agradar, gosta de carne viva, nervos expostos, gosta de suor e lágrimas, do limite das nossas forças para poder se mostrar. Por isso as epopéias dos grandes heróis, a importância das narrativas históricas na formação de uma caráter forte nas crianças e nos adultos também, por isso que continuamos assistindo a Indiana Jones. O homem comum não possui fibra suficiente para empreender tal 'viagem', que nada mais é que a busca pela Alma, pelo processo de Individuação, coisa para superman de verdade!

Já o Ego, como bom demônio, sugere o caminho mais fácil. É a nossa própria mente tentando nos ludibriar para que peguemos o atalho, para que deixemos para depois, para que relaxemos justamente na hora em que mais deveríamos estar alertas. Entende?

Outro dia ouvia uma conversa no trem entre duas amigas. Uma dizia a outra sobre o seu namoro, que ela não levaria o relacionamento à sério porque o outro não a levava à sério. Que triste isso! Acho que essa pessoa nunca terá uma relação satisfatória enquanto não aprender que toda história bonita, por fim, começa dentro de nós mesmos. Somos nós quem injetamos grandeza, significado às coisas, elas por si mesmas não são boas nem ruins.

Mas só nos tornamos capazes de fazer isso passando por cima das vaidades e aparências do ego.

O ego é a criança mimada que diz: "eu quero porque quero!". A alma é o ser responsável, que sabe o que está por trás de cada desejo, de cada querer, desde uma posição melhor no trabalho a um relacionamento.

O conhecimento do Self ou da Alma é que nos proporciona relacionamentos amplos, duradouros e saudáveis .

Habitamos no efêmero, é verdade, mas ele não é nosso lar de fato. Como alma imortal ansiamos pelo infinito, pelo verdadeiro e pelo eterno.

Olho para a imensidão do céu, origem e destino, e sei que não posso me contentar com pouco, com joguinhos do ego. Só nos contentamos com o fogo-de-palha quando damos ouvido ao ego, esse infeliz demônio pessoal que todos possuímos.

07 julho 2008

Das coisas que eu não entendo



Dias desses fui a um culto em uma igreja pentecostal com uma amiga. O culto começou normal: leitura bíblica, louvores, aleluias...até ai nada de novo.

A um certo momento o pastor mudou o tom da voz e falou que naquele momento Deus o estava 'usando' para que fizesse algo diferente. Nesse momento começou uma música muito repetitiva, como um mantra. Percebi que a letra era o que menos importava, apenas servia de mote ao ritmo contagiante e hipnótico que seguia incansavelmente. Quando dei por mim, aquele espaço de aproximadamente cem metros quadrados, lotado, estava tomado por pessoas em transe.

Via rapazes dançando com passos seguros e precisos, cada qual de um jeito, mas havia sincronicidade. Faziam-me lembrar de cenas vistas em filmes de rituais antigos acontecidos em alguma tribo perdida do globo.

A pessoa que acompanhei, conhecida de longa data, sempre séria e racional havia se transformado inteiramente.

Mais da metade da igreja foi tomada por aquela força, cada qual de um jeito único e surpreendente. Alguns se arrastavam pelo chão como serpentes, outros desmaiavam, choravam, sorriam, davam pulos. Porém não havia pânico, nem insegurança, como se tudo aquilo fosse a coisa mais esperada e natural do mundo.

Fiquei de boca aberta! Até agora não sei dizer o que se passou. Fiquei paralisada contemplando aquele espetáculo no mínimo surreal, no qual homens de gravatas e mulheres de saias longas se entregavam ao 'Poder de Deus', como alguém tentou me explicar depois.

O homem é o mesmo em qualquer lugar do mundo e em qualquer tempo. Desde as capitais mais modernas às tribos mais distantes existe manifestações como esta. De onde ela vem? Para que serve? Qual a finalidade destes estados alterados de consciência? Realizar uma catarse? Destravar o subconsciente liberando traumas e despertando a criatividade? Não tenho as respostas!

Sou extremamente racional, até mais do que gostaria, para me permitir experimentar certas coisas.

Namoro com um grupo de Estudos Xamânicos, mas apenas na teoria, pois o medo do que não conheço não me permite participar de seus rituais, nos quais as pessoas são tomadas pela cadência dos tambores e pelos efeitos de plantas sagradas como o peyote e a ayhuasca. Confesso que me atraem, principalmente a música. Por isso mesmo fujo. Quem sabe um dia eu compreenda melhor.
Realmente há muitas coisas que não entendo!

24 junho 2008

Alegria de viver



Quando chove
quem fica alegre
tem febre de viver
Mas não pode sair para brincar fora,
por isso brinca dentro: escreve!
Existe sol em si.

19 junho 2008

Questão difícil



Coisa complicada é saber qual o modo correto de lidar com os filhos, principalmente quando estes já não são mais bebes e, não podemos simplesmente dizer 'não' e pronto! Com a idade eles querem explicações cada vez mais complexas, muitas das quais nem possuímos.

A questão do consumismo é uma delas! É muito fácil para nós, adultos, aceitarmos que aparência não é tudo e que têm milhares de coisas mais importantes do que ter o tênis ou o celular da moda. Isso porque fomos amadurecendo esta idéia ao logo da vida, passamos por várias situações que já comprovaram isso e também porque, bem ou mal, já construímos a nossa identidade. Ou seja, sabemos que temos um valor, um caráter, independente de onde moramos, do que vestimos e de qual carro andamos. Quem nós somos de fato é muito superior a tudo isso.

Mas e para eles, os adolescentes? Será que a questão é tão simples assim? Afinal, quando não se tem experiência de vida e não se tem um lugar bem definido nesta mesma vida, o que resta senão a aparência?

Tudo na vida de um jovem é um livro em branco, pronto para ser escrito, mas ainda em branco. A única coisa que ele realmente sente é que precisa ser aceito pelos outros jovens da sua idade. E como tão bem explica Caetano na música Sampa, "...porque Narciso acha feio o que não é espelho". Ou seja, só somos aceitos quando somos identificados como iguais àquele grupo, do contrário somos excluídos e vivemos à margem. Justamente o que o adolescente mais teme!

Porém, mesmo sabendo de tudo isso, será que é correto dar tudo o que eles pedem? Penso que não! Mas como é difícil dosar o limite certo do consumo, que extrapola, em muito, a questão utilitária.

Na dúvida faço como o meu pai que me testava bastante para ver até que ponto eu realmente queria esse ou aquele objeto. E depois de dá-lo não cansava de repetir:

" Ficou lindo, porém não se esqueça de que há coisas mais importantes na vida! E que você é muito maior do que qualquer objeto que possa desejar".

No mais fico torcendo para que de mim tenha saído um ser humano melhor, e que com o tempo os seus valores possam acompanhar tanto o seu desenvolvimento físico quanto o intelectual.

09 junho 2008

Cantando sobre os ossos



Em espanhol, as curadoras, senhoras simples, na sua maioria enrugadinhas de tanto sol e poeira, são chamadas de "las hueseras", ou seja "as osseiras". Este nome diz respeito as sua principal função:escavar no inconsciente da pessoa enferma até encontrar os ossos, aquele lugarzinho só nosso, que muitas vezes nem mesmo sabemos que existe. Porém que nunca desaparece completamente. Assim como os ossos, podem ficar sufocados na escuridão da terra, mas permanecem lá: firmes e fortes. Por meio de palavras, gestos, orações, encantamentos, las hueseras chamam a vida de volta. Cantar sobre os ossos é isso, dar vida aquilo que parecia morto.

Numa das histórias bíblicas que mais me comove, Deus aparece falando com seu profeta Ezequiel para que este se dirija a um Vale de Ossos Secos e que profetize, fale, a eles.

Imagina a situação: um homem discursando a um monte de ossos no meio do deserto. Porém, por mais louco que parecesse, Ezequiel foi. E a beleza maior se dá quando, enquanto o profeta fala, naqueles ossos vão se formando os ligamentos, os tendões, as carnes, depois a pele e quando ele percebe há um exército de homens inteiros e de pé diante de si!

A lição é que maravilhas acontecem quando acreditamos nos nossos sonhos. Que podemos educar pessoas aparentemente limitadas, que com amor, disposição e boa vontade temos a capacidade de mudar vidas, tornar receptivas pessoas embrutecidas.

Coisas incríveis acontecem quando levamos adiante um ideal, aparentemente impossível aos olhos dos outros, porém que vibra intensamente dentro de nós. Esse ideal é a própria voz de Deus, mesmo que ninguém mais ouça,o que provavelmente vai acontecer pois essa é uma missão pessoal, única e intransferível.

O Vale de Ossos Secos nos fala também sobre não procurar condições externas favoráveis para que esse sonho aconteça, mas sim que temos que criar essas condições com as nossas próprias mãos ou palavras.