22 janeiro 2009

"Dar um tempo"



" Não conheço coisa mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e para quem recebe...

Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga nos vincos. Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto. Vai rasgar de qualquer jeito...

Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio. É natural explodir. Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga. Não se fica bonito, o rosto incha com ou se lágrimas.

Dar um tempo é se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar ou deixar algo.

Dar um tempo é invenção fácil para não sofrer. Mas dar um tempo faz sofrer, pois não se diz a verdade.

... Aspira ao cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação.

Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes.

Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance...E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo...

Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo. Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo.

Dar um tempo é covardia, é para quem não tem coragem de se despedir...Não significa nada e é justamente o nada que dói.

....Dar um tempo é roubar o tempo que foi. Convencionou-se como forma de sair da relação limpo e de banho lavado, sem sinais de violência.

Ora, não há maior violência do que dar um tempo. É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos. É compatível em maldade com "quero continuar sendo seu amigo".

O que se adia não será cumprido depois."

Fabrício Carpinejar