28 janeiro 2008

Eu me perco



"Só quem sabe que está perdido
tem a chance de se (re)-encontrar"
"Os sãos não precisam de médico", disse Jesus,
e eu acrescento: nem de guias ou astrólogos.
Eu preciso!
Aqui, ali, ou acolá
Qualquer lugar é lugar para me perder
Eu me perco na lua, eu me perco no sol
Eu me perco na Penha, eu me perco na Lapa
me perco em mim, me perco em você

Quer se perder comigo hoje?

24 janeiro 2008

Qual a finalidade da literatura?

Vivemos em um mundo tão pragmático e capitalista que pensar em alguma coisa sem uma finalidade prática, ou que dê lucro, é absurdo. Felizmente alguns filósofos da atualidade têm começado a falar em "capital não material" e na sua importância para a vida saudável de empregados e como consequência uma melhor performance profissional. Deu-se uma volta e parou-se no mesmo lugar: produção material. Pelo menos começa-se a pensar sobre a importância de coisas do tipo ler um livro, ir ao cinema ou namorar, em outras palavras: sentir prazer.
Poderíamos falar que entre as finalidades da literatura está em fazer de nós pessoas instruídas, mais bem informadas. Que ler enriquece o vocabulário e consequentemente a escrita, 'quanto mais lemos melhor escrevemos'. Também que bons livros modelam o caráter, pois são exemplos claros de se ter, ou não, uma boa conduta. Quem leu Machado de Assis sabe do que estou falando.
Mas muito além de todas essas coisas, o ato de ler, assim como o de assistir a um bom filme, apreciar um quadro ou a uma orquestra, provoca em nós o que os críticos chamam de 'fruição estética'. Em outras palavras: a literatura nos proporciona prazer, gozo, tesão. E isso, por si mesmo, já encerra a importância de ler, assim como de apreciar qualquer manifestação artística.
Segundo o dicionário "fruição" é o ato ou efeito de fruir; gozo, posse, usufruto. O mesmo que tirar todo o proveito de uma coisa. Também podemos dizer de um texto que se é 'fruitivo', igual a agradável, delicioso. Mas nosso senso prático, e nossa tradição católica de pecado, nos recrimina: o prazer, além de inútil, é perigoso!
Não acredito na contradição prazer versus espírito. Pelo contrário, acredito que há mais chance se sentirmos a presença de Deus durante o momento sublime em que nos entregamos, nos fundimos com a beleza de um quadro ou de uma música, do que quando estamos entediados. Êxtase é êxtase, independente de ser religioso, sexual ou artístico. Além do que o prazer sensorial/sensual é uma inclinação natural do ser humano. Negá-lo é o mesmo que negar a humanidade que há em nós.
Ver, ouvir, cheirar, tocar são, até o momento, as únicas pontes que temos com o mundo exterior. É por meio dos sentidos que aprendemos. E a arte, com toda riqueza de seus símbolos e metáforas tem a capacidade de burlar a lógica e se comunicar diretamente com o subconsciente. Perigosa, não? Faz desenterrar tesouros, incomoda- tira do comodismo- a tal ponto que depois de uma boa leitura ninguém será mais o mesmo. E para o sistema é bom que sejamos sempre os mesmos. O que aconteceriam com nossos políticos se o povo lesse Eça de Queiroz?
O prazer é o abismo que nos leva ao topo, mas não é nem o abismo, nem o topo, é simplesmente o caminho para compreender melhor o mundo e a nós mesmos. Não fingir que se admira um quadro ou um livro, mas inundar-se de tal modo que o mundo a nossa volta pareça desaparecer. Esse é o verdadeiro sentido da comunhão.
Temos a sensação de que para sentir prazer devemos necessariamente pagar um ônus, a culpa. Por isso fica-se procurando a finalidade da literatura. Ninguém pergunta sobre a finalidade da mecânica ou da medicina. Mas arte? Pra quê? Isso é coisa de quem não tem o que fazer. Fruição não é perda de tempo, pelo contrário, é aproveitamento.
E se mesmo assim alguém ainda insistir que dedicar-se às artes não vale a pena, fica-nos o exemplo de Sócrates que enquanto era preparada a cicuta aprendia uma ária com a flauta e lhe perguntaram: "Para que lhe servirá?", ele respondeu: "Para aprender esta ária antes de morrer".
A arte pela arte, como pregavam os modernistas, já é valida por si mesma.

22 janeiro 2008

Banheiro: território isento



Por que falar de banheiro? Talvez porque seja o meu lugar preferido da casa.
Muitos homens morrem de curiosidade: 'o que afinal, as mulheres fazem no banheiro?' A resposta é muito simples (e terrível): o mesmo que os homens!

Banheiro é lugar de purificação, de higiene pessoal, e por isso mesmo, por estar tão perto do expurgo, é lugar onde se lava a alma, de choro e de riso.
Quem nunca teve durante uma festa, numa reunião ou em um momento com a família uma incontrolável vontade de chorar e fez do banheiro o seu refúgio? E quem, em dia de radiante alegria, nunca soltou a voz enquanto tomava banho, ou deu pulinhos de alegria enquanto se preparava para um encontro com alguém especial? Por que não se faz isso na sala? No quarto ou na cozinha?
Independente do motivo, ou da situação, o banheiro representa o único local realmente nosso, pelo menos durante o tempo que permanecemos ali. E por ser totalmente nosso e sem espectadores ficamos por uns raros momentos isentos de toda e qualquer crítica.

Na adolescência minha mãe me dizia com toda crueldade que só uma mãe é capaz: 'vá chorar na cama que é lugar quente!'-Não vou! Gosto do banheiro mesmo! No banheiro, amparada pelo frio dos azulejos, pela dureza dos metais, a dor se torna mais aguda, mais intensa, sem maquiagem, sem roupa, sem máscara!
Banheiro é puro e impuro ao mesmo tempo. Assim como os seres humanos, sublimes e grotescos. Só que o mundo moderno tenta negar isso, por isso banheiros são cada vez menores, ambientes cada vez mais cleans. Desse modo falar sobre o que se faz no banheiro causa tanto incômodo.

Nunca a frase do tramaturgo e poeta romano Terêncio foi tão necessária: "Sou humano, e nada do que é humano me é estranho". Assim, defendo que o banheiro é o lugar onde somos mais humanos, pois é onde nos sentimos mais próximos de nós mesmos e mais semelhante a todos.
Na negação do grotesco nos enfraquecemos, visto que nos tornamos como uma moeda que só possui uma face.

15 janeiro 2008

Haicai livre

Reto pensar
Reto agir:
Claro sentir.
(27/07/2007)

13 janeiro 2008

Toma um chá que passa










O chá é uma instituição na minha família. Tanto para as dores do corpo quanto as da alma, um bom chá pode fazer milagres!



Lembro-me com saudade da minha avó, indo a qualquer hora do dia ou da noite para o quintal atrás de algumas folhas, isso ao menor sinal de indisposição de alguém da família. Não sei se pelo ato carinhoso de colher a erva, esperar a água ferver, deixar descansando por alguns minutos, até que os princípios ativos se desprendam, depois coar, passar de uma xícara a outra até que esfrie...



Dá trabalho? Todo cuidar dá trabalho, mas é tão bom. Quem recebe sente a afeição da pessoa que preparou. Esses atos tão simples que a modernidade nos privou. É muito diferente de pegar um saquinho, colocar no copo e levar ao microondas.



O ritual do chá merece atenção, merece devoção. Acredito que é essa a palavra que mais carecemos nos dias de hoje: devoção. Devoção implica sair da esfera do individualismo para a esfera do outro, do semelhante, criar empatia, sentir o que o outro sente, perceber o que o outro gostaria que percebêssemos. Se maravilhar em compreender que é muito bom ser cuidado, mas é melhor ainda cuidar.



Confio que muito além do efeito placebo, o ato de oferecer um chá a quem queremos bem, também auxilia na melhora física de muitos sintomas, afinal as plantas possuem princípios químicos terapêuticos comprovados. Tanto é verdade que não se deve sair por ai tomando qualquer chá. Há, além do mais, os princípios sutís, aquela energiazinha que poucos percebem, mas que existe. As plantas são uma fonte direta de energia da natureza para nós, sem ser processada como acontece com vários outros alimentos. Estou falando daquelas folhas verdinhas, que quer sejam colhidas em casa ou compradas na feira e no mercado, receberam a exposição ao sol, à chuva, ao orvalho, cresceram em contato direto com a terra.



Não há intermediários. No ato de tomar uma xícara de chá recebemos os princípios ativos da planta, sua energia sutil e o amor de quem prepara. Por isso, é certo, muitos dos males que nos afligem no dia a dia passariam como que num passe de mágica, se parássemos alguns minutos para sentar, sentir o perfume e saborear uma quente é acolhedora xícara de chá, se não der para ser acompanhado, faz-se o ritual sozinho, por que não? O amor tem que começar de nós para nós mesmos, depois se estende aos que estão a nossa volta.



07 janeiro 2008

Não me canso nunca

Eu não me canso de cavar
Com as próprias mãos
O passado, o presente e o futuro
Cravo as unhas sobre a memória
Abro sulcos sobre o tempo
A Gilette é minha jóia preciosa
Plutão é meu planeta-anão-gigante
Minhas lágrimas são o orvalho que molha
As sementes do pânico caídas nos sulcos
Quanto maior o medo, maior a cova
Não me canso nunca
A cada nova fissura uma nova pedra
É preciso não parar nunca
Não me canso de cavar.

"como cavar na terra até encontrar água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma?", Clarice Lispector



A pedra roça a lâmina
A lâmina roça a pele
Pau, pedra, espinho
Me agrada a visão da secura extrema
Terra que é só pó
Gente que é só terra
Foi-se tudo que era enfeite
Ficou a essência, o vazio, o TUDO!

Tzim-tzum *



Dor que cega
A faca da vida passa
Não perdoa
- Eta dor que não cessa!
Não dá trégua, não abre clarão
O tzum-tzum se faz no meu coração e,
por um momento, pensei que as taças iriam se quebrar
Bum!
Um novo universo nasceu
É tanta luz que não sei o que fazer com ela
Odeio desperdício!
Transformo-me em ponte...

*movimento de contração no vácuo, segundo a Cabala.

Medo



Sou uma pessoa assombrada desde sempre. Digo 'desde sempre' porque nem sei onde isso começou. O medo freia-me as loucuras, mas me limita nos acessos de criatividade.
Posso garantir que é o meu companheiro mais antigo. Pai da minha espiritualidade, pois uma pessoa apavorada só faz procurar refúgio e segurança. Desde criança, sentada sobre a bicicleta, sob o sol brilhante e a carícia dos ventos, rezava! Rezava sem parar, por isso hoje não há oração que não conheça ou mantra que nunca tenha repetido. Quanto maior o salmo melhor, pois por alguns instantes algum mal presságio me dá tregua.
Preocupava-me o meu pai, a minha irmã e a minha mãe, cada época era um. Há quem diga que criança não tem problema!
Hoje o foco está sobre o meu marido e a minha filha. Sinto medo de me aproximar demais das pessoas e depois perdê-las.
Medo, meu companheiro cruel e terrível, deixe-me! Abandone-me! Quero sentir a liberdade de amar sem ter você no meu encalço.

02 janeiro 2008

Clarice Lispector



"Minha força está na solidão.

Não tenho medo nem de chuvas tempestivas

nem de grandes ventanias soltas,

pois eu também sou o escuro da noite"