21 fevereiro 2009

Augusteum



"...No caminho de volta para casa, faço um pequeno desvio e paro no endereço de Roma que considero o mais estranhamente perturbador - o Augusteum. A pilha de tijolos grande, circular e caindo aos pedaços começou a vida como um glorioso mausoléu construído por Otaviano Augusto. Como ele poderia ter previsto a queda do império?

Na Idade Média, o mausoléu de Augusto foi tomado pelas ruínas e pelos ladrões. Alguém roubou as cinzas do imperador - não se sabe quem. Já no séc. XII, porém, o monumento havia sido restaurado como uma fortaleza para a poderosa família Colonna, para protegê-la dos ataques de vários príncipes guerreiros. Em seguida, o Augusteum, foi transformado em vinhedo, depois em jardim renascentista, depois em praça de tourada (já estamos no séc. XVIII), depois em depósito de fogos de artifício, depois em sala de concertos. Durante a década de 1930, Mussolini confiscou a propriedade e restaurou suas bases clássicas, para que ela pudesse, um dia, servir de local de descanso para seus restos mortais. (Mais uma vez, devia ser impossível, na época, imaginar que Roma jamais fosse ser qualquer outra coisa que não um império em louvor a Mussolini. É claro que o sonho fascista não durou muito, e tampouco ele teve o funeral imperial que previra.

Hoje em dia o Augusteum é um dos lugares mais tranquilos e solitários de Roma, enterrado bem no fundo no chão...

Considero muito reconfortante a resistência do Augusteum, o fato de essa estrutura ter tido uma história tão atribulada e, mesmo assim, ter sempre conseguido se ajustar à loucura específica de cada época. Para mim, o Augusteum é como alguém que levou uma vida totalmente louca - alguém que talvez tenha começado como dona-de-casa, depois inesperadamente ficado viúva, em seguida virado dançarina para ganhar dinheiro e, de alguma forma tenha se tornado a primeira mulher dentista do espaço sideral, e, por fim, tentado a sorte na política - e que, mesmo assim, conseguiu manter intacta a consciência de si próprio durante cada reviravolta.

Olho para o Augusteum e penso que, no final das contas, talvez a minha vida na verdade não tenha sido tão caótica assim. É apenas este mundo que é caótico e nos traz mudanças que ninguém poderia ter previsto. O Augusteum me alerta para eu não me apegar a nenhuma ideia inútil sobre quem sou, o que represento, a quem pertenço ou que função eu poderia ter sido criada para exercer. Sim, eu ontem posso ter sido um glorioso monumento a alguém - mas amanhã posso virar um depósito de fogos de artifício. Até mesmo na cidade Eterna, diz o silencioso Augusteum, é preciso estar preparado para tumultuosas e intermináveis ondas de transformação..."


"Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert

10 fevereiro 2009

Separação



Muitos (ou pelo menos os mais corajosos!) me perguntam o motivo pelo qual me separei.

Neste ponto sou uma pessoa difícil! Pois acredito dever satisfação a bem poucas pessoas neste mundo.

De modo que a primeira resposta que me faz cócegas na língua é: "Não é da sua conta! ". Contudo, jamais daria essa resposta. Não para manter a fama de gente boa e bem educada, pois não há nada mais inútil que tentar agradar a todos!

Não dou tal resposta pelo simples fato de respeitar a simplicidade, ou em outras palavras, a ignorância, de algumas pessoas. Para quem saber o que acontece na vida alheia é sua única, e pobre, razão de viver.

Sou pela tolerância!

É difícil explicar, ou convencer, que não se está deixando a relação porque apareceu uma terceira pessoa. Aliás, não sei o por quê de os seres humanos gostarem tanto de histórias de traição, ou seriam histórias de amores arrebatadores capazes de fazerem desmoronar anos de casamento?

Também não me sinto tentada a justificar apontando as centenas de falhas e defeitos do ex-cônjuge, pois teria que falar também das minhas centenas de falhas e defeitos! E, no final das contas, tolerar "tantas falhas" por 17 anos não seria virtude alguma, nem para ele e nem para mim. Melhor calar. Menos feio.

Após anos de convivência pequenas desculpas não colam mais! Talvez por isso, não "colarem mais" que o casamente se desfaz. Ou porque nos fragmentamos em tantos "eus": o "eu-mãe", "eu-esposa", "eu-amiga", "companheira", "filha", "dona-de-casa", "profissional", "nora"...que fica difícil nos achar e saber quais "eus" queremos, de fato, assumir. Confuso, não?

Me perdi pelo caminho. Não soube fazer um belo mosaico dentro das diversas funções que assumi dentro do modelo de casamento que fui construindo ao longo dos anos.

Quem sabe consiga fora, com os cacos que restaram dessas várias "patrícias"?

Mas, difícil mesmo é explicar que 'adeus' nem sempre quer dizer 'desamor'. E que 'sim' não necessariamente significa 'amor'.

Que relacionamentos não são feitos de regras matemáticas: soma-se um rapaz bonzinho + uma moça boazinha e, pronto, eis aí uma união perfeita!

Há um momento em que o mundo, tal qual o conhecemos, parece submergir. Tudo deixa de fazer sentido. Vira do avesso.

E como é difícil reconhecer e, o pior ainda, admitir, que não se deseja mais estar casada!

Ao menos para mim foram meses de angústia, de um debate interno interminável e lágrimas que pareciam nunca se esgotar.

Também não escapei de me fazer, pelo menos meio milhão de vezes, a famigerada pergunta: "por quê?". Mas eu posso fazê-la, afinal é a minha vida!

Nunca obtive a resposta!

Quem dera a tivesse!!

Seria tão mais fácil saber por que deixei meu cantinho do lado direito da cama, de onde podia acompanhar a lua em suas várias fases? Por que deixei meus cachorros, companheiros calorosos e ternos, os quais amo profundamente? Uma casa novinha, construída por mim, plantas que me acompanhavam há anos e tantas outras alegrias???

É desesperador não ter respostas. Descobrir que não há culpados, muito menos vítimas!

Chamo sim, de 'vítimas', filhos que convivem num lar onde impera a aparência de uma união feliz, onde os pais se maltratam, se não fisicamente ou verbalmente, mas em guerras frias e silenciosas.

Não convivi com este tipo de situação. Mas para mim, tudo o que parecia perfeito aos olhos dos outros, tornou-se pouco, pequeno, diante da urgência de me encontrar. De ficar quietinha comigo mesma. O isolamento se fez imprescindível, a separação de tudo aquilo, tornou-se uma questão de sobrevivência.

Loucura? Depressão? Encosto? Macumba?

Desculpas boas para quem vive procurando uma razão para tudo.

Descobri que quando o assunto é relacionamento, a razão, assim como a lógica, não dão conta de explicar o por quê se fica junto e por quê se separa. Quem sabe o tempo, ao menos espero, seja capaz de clarear os motivos que me levaram a tomar a atitude de mudar radicalmente de vida e deixar tudo o que mais amava para trás pelo simples fato de continuar vivendo.

Difícil é explicar isso pro pai, pra mãe, para as pessoas que amamos! Justamente eles que vivem dizendo que "Deus escreve certo por linhas tortas"...Quem sabe não será esse "caminho torto" que me conduzirá até onde eu deveria verdadeiramente estar?

Como explicar que "perfeição" nem de longe serve de sinônimo para "felicidade? Que nem rima fazem!

Que a vida é feita de riscos. Nos arriscamos quando casamos. Nos arriscamos quando separamos. Arriscamos quando temos filhos e também quando não temos. Viver é risco permanente. Essa é a única resposta que tenho, tanto para eles, quanto para mim.

Absolutamente nenhum motivo mais concreto ou passional, que pelo menos oferecesse uma boa trama de novela ou livro!