20 novembro 2008

Correria rima com gosseria



Final-de-ano e correria. Parece que já viraram sinônimos!

Até as pessoas mais educadas que conheço, não reparam em o quanto deixam de ser gentís nesta época. É um atropelo. Nos telefonemas, nos encontros casuais na rua, até por e-mail: "Olha, não posso falar agora pois estou numa correria só, final-de-ano, você sabe, né?"

Sei o quê?

Que minha filha vai fazer 3 dias de apresentação de balet e jaz, mais não sei quantas de teatro, que há a costureira, a prova das roupas, os presentes de natal, o trabalho que se torna mais urgente, fora muitas outras coisas que nem cabe comentar aqui...Aumenta a carga para todos, independente de quem trabalha fora ou não.

Ouvi outro dia uma história que dizia o seguinte:

Havia uma senhorinha,dessas japonesas bem velhinhas e miúdas, que praticava zazén (meditação sentada), todos os dias em sua comunidade. Não faltava por nada neste mundo! Um dia ela faltou. Não é da tradição budista ficar cobrando satisfação de por quê a pessoa fez ou deixou de fazer tal coisa. Cada cabeça, seu juíz! Acredito que até mais por intuição, e para que nos servisse de lição, a monja responsável resolveu perguntar. A vovó, respondeu: "já estava trancando a porta quando uma amiga vinha chegando para me visitar. A visita ficou constrangida ao me ver pronta para sair, mas logo desfiz essa situação. Mostrei a ela o quão feliz estava com a sua surpresa. Pensei no trabalhão que ela teve em deixar a sua casa para vir até a minha me ver. E, se ela fez isso, é porque, de alguma forma, sou importante pra ela e ela gostaria de passar algumas horas comigo. Só sei que a tarde foi uma festa, tomamos bules de chá, contamos histórias das nossas vidas, enfim, o zazén é maravilhoso, mas o contato com os amigos é tão divino quanto".

Será que temos a nobreza dessa senhora? Será que lembramos que quando alguém nos liga, visita ou manda um e-mail é porque, de algum modo, somos importantes para ela? Não falo em manter amizades de aparências. Se esse é o caso nem vale à pena, é melhor cortar o mal pela raiz. Deixar bem claro que para mim não vale o sacrifício de algumas horas, ou minutos, perdidos com essa pessoa.

Não importa se é final-de-ano ou não, amigos continuam sendo amigos. Se temos um compromisso saberemos falar com jeito que, infelizmente, infelizmente mesmo, de coração, naquele momento não será possível um bate-papo. Mas no primeiro momento que tiver oportunidade ela será prioridade para mim.

Gosto de uma frase de uma música dos Titãs, que diz " Nenhuma idéia vale uma vida".

18 novembro 2008

Porque escrevo



Às vezes me pergunto por que escrevo. Por que falo tanto de mim mesma, da minha infância, do passado. De como era no meu tempo... Sei que não sou tão velha assim, mas com 36 anos pude testemunhar uma boa parte da nossa história. E uma história que deu um giro de 180 graus nos costumes, na política, na cultura, na tecnologia, enfim, em todos os aspectos.

Primeiro falo de mim, porque não saberia falar de mais ninguém. Só sei, e ainda muito mal, do que se passa comigo e na minha família. Sou um tanto autista. Jamais seria jornalista, pois só poderia falar de como me senti diante do fato e não o fato.

Também escrevo porque minha filha pouco conheceu os seus bisavós, meus avós. Eles se foram um a um quando ela era ainda muito pequena. Gostaria que ela, assim como os filhos dela, soubessem como eles eram, como viviam, agiam e pensavam. Que ela soubesse que descende de uma raiz forte, que sobreviveu à escassez da segunda guerra, que suportou trabalhos em locais insalubres como fábricas de alumínio e cerâmicas, alguns com apenas 9 anos de idade. Mas que nem por isso se tornaram duros, e que alguns até se arriscavam a desenhar e fazer poesia depois de uma extensa jornada de trabalho. Que quando eu era criança o macarrão vinha em embalagem de papel, que a maçã, de tão rara e cara (pelo menos no interior), vinha enrolada em um papel de seda violeta, que guardávamos como uma perfumada relíquia. Que meu avô usava chapéu e relógio de bolso e que minha avó era extremamente linda e cheirosa usando apenas creme Nívea e Leite de Rosas.

Acredito na Reencarnação, mas também acredito que somos nossos pais, avós, bisavós e todos os outros que vieram antes de nós. Por alguma alquimia que desconheço e que ultrapassa a genética, me vejo em todos eles, assim como me vejo na minha filha.

Alguém pode até argumentar que a História, como disciplina, já faz isso. Que ela tem tudo documentadozinho como foram os anos 30, 40, 50, 70... Mas tenho um sério problema: eu não acredito na História, pelo menos não na oficial!

Sei que também minto quando conto minhas histórias, pois as relato de acordo com a minha visão subjetiva e carregada de afeto. Mesmo assim ainda minto menos que a História, cujos dados foram documentados de acordo com o interesse de quem estivesse, ou está, no poder. Não é assim até hoje? Quem pode dizer quantos morreram na Guerra do Iraque, qual foi sua verdadeira razão, o que de fato ocorreu?

Na soma das duas histórias, a minha e a oficial, minha filha cria a sua própria. Que só ela poderá dizer que cara terá quando repassar aos seus descendentes.

Claro que não é só por isso que escrevo. Também o faço para manter minha memória clara, para manter vivos aqueles que já se foram, para sentir perto aqueles que estão distantes e, acima de tudo, para me manter. Pois para mim vale literalmente a frase bíblica que diz que nem só de pão viverá o homem (e também a mulher!). Eu preciso das palavras para continuar vivendo, quer sejam palavras harmônicas, cadenciadas, dos diálogos do dia-a-dia ou a cacofonia das conversas desconexas que ouço na rua, no trem e até em casa; e dos sussurros ao pé do ouvido que me chegam no silêncio da noite.

Mas de qualquer forma, elas, as palavras, são a ponte que fazem com que eu não me abondone na minha imensurável solidão, típica da condição humana. Pode ser por isso que muitos têm a mania, estranha pra mim, de deixar a TV ligada.

Mas cada qual se livra do demônio da solidão do jeito que sabe, não é?

14 novembro 2008

Seres 'multitarefa' ?



Li que segundo uma pesquisa realizada pelo Cartoon Network, com cerca de 7 mil brasileirinhos entre 7 e 15 anos de idade, comprovaram que 73% deles podem ser considerados 'multitarefa', pois conseguem fazer o dever de casa enquanto assistem TV e navegam na internet.

Se fosse no tempo do meu avô ele logo gritaria:" -Truco!". Como sou mais moderna, grito o nome de um jogo de baralho que brinco com a minha filha" "-Desconfio!"

Não desconfio da capacidade humana de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Sou mulher e mãe e não poucas vezes me vi fazendo o almoço, dando de mamar e atendendo ao telefone ao mesmo tempo. Porém o que desconfio são dos efeitos dessa 'agitação' mental a longo prazo.

Sou agitada por natureza, apesar de aparentemente dar a impressão de ser um lago calmo e tranquilo. Só eu e meu estômago sabemos o que sofremos com essa coisa de querer ser 'trezentos' (coisa de Mário de Andrade!).



A pesquisa se firma no fato, realmente comprovado, de que o cérebro humano vai se adaptando aos novos hábitos. Mas eles se esquecem de que tais mudanças são lentas e, até que sejam efetivadas, há picos de desequilíbrio e estresse que ninguém sabe quanto tempo pode durar.

Não canso de ver pessoas no metrô lendo, ouvindo música e tentando falar ao celular (sou uma delas). Mas luto contra isso com todas as minhas forças, e quando consigo meu sono, minha criatividade, minha paciência e capacidade de aprendizagem, são outros. Do contrário, levo essa agitação pra cama, pra mesa, pro corpo e me pego estressada, arrasada, como se uma motoniveladora tivesse passado por cima de mim.

Pobre monja, tantas palestras... Mas um dia eu aprendo: "Uma coisa de cada vez!", "Atenção plena!" Eu chego lá.



Outro dia assisti a uma palestra de um professor do Anglo, que foi enviado pela escola à Finlândia para descobrir o segredo desse povo que, além de habitar no fim do mundo, ocupa o primeiro lugar no ranking educacional mundial. Ele logo imaginou: "Deve ser a carga horária, educação em período integral! Não! Então, salas de aulas superhipermodernas? Também não!

A Finlândia é um país onde 99,9% das mães trabalham fora, por isso as crianças ficam no período da tarde na escola revendo a matéria que foi dada pela manhã, fazendo o dever de casa, ou seja, elas também só assistem aulas por meio período.

Segundo suas palavras, cada uma dessas salas de estudo é de uma simplicidade monástica: carteiras, umas seguidas das outras e, em cada uma, uma gaveta, para o aluno guardar seus objetos pessoais, nada mais! Assim eles passam a tarde, no mais completo silêncio. Tornan-se desde cedo autodidatas, pois não tem a história tirar a dúvida com a mãe, com o pai, nem com a internet. É tudo muito bonito e organizado, porém fico pensando: onde eles escondem os hiperativos? Ou será que naquele país eles não existem? Ou eles se trasformam em jovens que, de tão reprimidos, mais cedo ou mais tarde vão se rebelar contra o sistema e sair matando os colegas, como aconteceu recentemente comum jovem de 18 anos. Ou ele será o próximo suicida? Pois com um sistema tão rígido (e tão pouco sol), não sobra muita opção aos 'diferentes', fazendo daquele país o primeiro lugar também no número de suicídios!



No outro extremo temos o Brasil: penúltimo lugar em qualidade educacional. Bendita Gana, do contrário seríamos os últimos! O problema aqui é excesso de barulho, de agitação. Parece que o brasileiro não consegue ficar sem um zunzunzum de fundo. Nas raras vezes que nossos alunos sentam para fazer suas tarefas e rever o que foi ensinado no dia, terá como pano-de-fundo uma TV ou um computador ligado. Além do IPod e do celular, o qual ele pára o tempo todo para selecionar uma nova pasta ou atender e ver se recebeu alguma mensagem. Concentração zero!


A questão é que hiperativos há em todo lugar, pois é uma doença comprovada e não depende de raça, cor ou nação para nascer um privilegiado. Mas no Brasil acostumou-se tratar os alunos com DDA - Disturbio de Déficit de Atenção- como se fossem hiperativos. Pode acontecer de uma pessoa ser contemplada com os dois problemas, o que não é raro. Mas são coisas distintas.


O que chama a atenção é o fato de que até alguns anos atrás não de ouvia falar em DDA. Sempre houve os 'agitados', que hoje sabemos serem os hiperativos. Mas estes não permaneciam na escola por muito tempo, o próprio sistema se encarregava de fazê-lo desistir de frequentar as aulas por muito tempo. Mas o que estamos observando agora é uma verdadeira avalanche de alunos com problemas de atenção.


Eu desconfio de duas hipóteses, sendo que uma não exclui a outra. A primeira se deve ao fato do grande número de informações a que os jovens são submetidos. A essa agitação mental ocasionada primeiramente pela TV, depois pelo IPod, Internet, MSN, jornais, revistas...tudo cujo valor e importância nas nossas vidas é indiscutível. Porém, tudo isso não passa de distração. Observe bem a palavra: "Dis-tração", atenção pulverizada, difusa. Ao contrário da leitura, a que bem poucos se dedicam, e que estimula justamente o oposto: a "con-centração", o focar, o convergir a um único ponto toda a nossa energia.

É óbvio que o Cartoon vai defender que fazer dever de casa na frente da TV é possível! Nada mais natural, afinal, eles vivem disso!

E a segunda hipótese é que as aulas, assim como os professores e todo o sistema educacional tornou-se obsoleto, desinteressante. É um inferno na terra para um jovem cheio de energia, criatividade e acostumado à velocidade, permanecer no mesmo esquema educacional de cinquenta anos atrás.

É preciso reinventar a escola, modernizá-la, sem dúvida. Mas antes de tudo é preciso reinventarmo-nos. Como diretores, políticos, professores, precisamos nos tornarmos mais interessantes, mais sedutores. Como diria Umberto Eco, seduzir como uma forma de "trazer a si", aproximar o objeto do desejo, no caso o aluno, não a nós, mas ao gosto pelo conhecimento. Fazer da escola um lugar vivo, onde todos os sentidos possam ser despertados e utilizados.