30 março 2008

Uma gota



Caiu
Uma gota dos meus olhos
na chuva do teu corpo
Transbordou por todos os lados
O céu ficou limpo
A vida clara

26 março 2008

"Amor feinho"



Amo todos os poemas da Adélia Prado, mas esse particularmente me é especial. Creio que ele fala de uma das necessidades mais urgentes do ser humano, o de ser aceito incondicionalmente. O de encontrar um relacionamento que simplesmente ame, livre de pompas e artificialidades. Amor feinho é, na verdade o mais bonito, porque verdadeiro. Não se preocupa com que os outros vão pensar, é uma escolha do coração, não apenas dos olhos. Não quer saber se os amigos vão aplaudir a nova conquista como quem pesca o maior peixe, ou se as amigas morrerão de inveja.

Ele é feito para existir e não para parecer que existe. Feito para ser e não para aparecer.

Sabe aquele sentimento de querer crescer junto, construir solidamente uma família, um lar, educar filhos, viajar de férias pelo simples prazer de estarem juntos?

À vezes nos esquecemos que somos seres humanos e assim sendo não fomos feitos para viver em vitrines. É preciso amar, viver de verdade, rir, chorar, limpar vômito de criança, pagar conta, cuidar de vazamentos. Coisas sem nenhum glamour e que fazem um amor de aparências desabar logo que acontecem ou que vão se acumulando.

Mas são justamente estas mesmas coisas que solidificam um casamento: os problemas enfrentados juntos, as horas difíceis compartilhadas. Claro que há coisas boas: festas, promoções, conquistas, mas no dia a dia o que têm destaque são o pequenos problemas a serem solucionados. É nesta hora que o amor é testado, quando ao invés de um colocar a culpa no outro, ambos assumem a responsabilidade pelo fato e em conjunto procuram a solução. Tudo o mais simples, natural e sem afetação possível.

Por que será que fomos ficando tão complicados?

Será que por passarmos diariamente diante das revistas "Caras" da vida, ou termos dentro da nossas casas telenovelas que mostram um padrão estético e de comportamento muito, muito longe do real, não nos contentamos mais com o que é simples? Como diz o poema "eu sou homem, você mulher" isso basta, ou deveria bastar...

Acredito que chegamos no limite, carecemos de amor verdadeiro, vontade de sermos aceitos como somos, de aceitar a vida e o casamento como eles são: perfeitos na sua imperfeição.

Quando será que vamos crescer? Saber lidar com os problemas da casa, da família, do trabalho, dos relacionamentos como o que eles são: questões a serem solucionadas? Sem levar para o lado pessoal, sem alimentar nossos complexos e os do outro? Aceitar um amor maduro, feinho, na maior parte das vezes sem nenhuma beleza deslumbrante, mas real?

18 março 2008

Seios



Sou terra!
Por isso me orgulho da sinceridade dos meus seios.
Eles são terra!
São vivos e produzem alimento,
não apenas para o corpo,
mas para alma.
São terra! Terra de ninguém, pois terra não tem dono,
é de quem cuida, de quem a lavra com suas mãos gentis,
de quem semeia amor e doçura.
Não são rígidos, do contrário seriam pedras,
deixo isso para os ossos.
Seio é solo fofo, pronto para o plantio,
sempre à espera da semeadura.
Como a terra eles se alegram com
os pingos d´água que caem sobre si.
Dançam sutis, mas agradecidos.
Carregam a graça do que não é perfeito,
mas do que é pleno de vida!

13 março 2008

Amor feinho

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quanto haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

Adélia Prado

07 março 2008

Consolos



No seu livro "Paula", a escritora Isabel Allende, nos fala do poder consolador do arroz-doce. Ela relata que a única coisa que lhe dava uma sensação de conforto em uma momento de sofrimento intenso, após a morte da filha (Paula), era esse doce simples. Não precisamos aprofundar muito para entender o porquê do arroz-doce ser tão poderoso. Ele é feito de poucos ingredientes, mas todos com grande significado para nós: leite, açúcar, arroz, um pouquinho de canela e raspas de limão. Todos com gosto de infância e casa de mãe.

Do mesmo modo a canja, a canjica, o mingau de aveia (comfort food, nome perfeito em inglês), são alimentos consumidos mais no período do frio, à noite, antes de deitarmos, ou quando estamos enfermos, pois eles têm o poder de uma abraço antigo, de lugar conhecido e querido.

Mas não são apenas esses alimentos que nos trazem sensações boas,

todos, num maior ou menor grau, fazem a mesma coisa. E por isso essa onda de obesidade. Comer consola, e muito!

Ainda há outros consoladores como os amigos, as bebidas, os calmantes...

Algumas vezes, bem poucas, é legal deixar-se consolar, aquecer-se no calor amoroso que vem de fora, de um amigo-amante-parente-animalzinho. Digo 'bem poucas' porque temos uma tendência de querermos ficar para sempre nesse território prazeroso e a pensar que o consolo sempre se dá assim: de fora pra dentro. O que não é verdade.

O lugar do prazer não está no arroz-doce, mas naquela almejada terra psíquica habitada pelas nossas mais doces lembranças. Por isso há que se procurar essa terra em nós mesmos.

Acredito ser esse o grande milagre da vida, o maior dom que O Pai nos permitiu: o de sermos capazes de nos curarmos. Para isso é necessário que se processe uma alquimia interna, do mesmo modo que acontece no preparo de qualquer alimento.

Necessitamos de elementos fortes como a canela, o cravo, que são a coragem, a determinação. Também temos os ingredientes mais suaves como o carinho e a paciência por nós mesmos. Mas o principal de todos é a lucidez, pois ela nos dá a percepção da quantidade exata de cada elemento a ser utilizado, como em uma cozinha. Do contrário esse passeio pelo mundo interior pode transformar-se em loucura.

A diferença entre aquele que cura e aquele que adoece está na percepção fiel dos fatos. Saber se olhar inteiro, sem medos ou desculpas.

Como nas palavras do poeta mineiro Gildes Bezerra, " Quando a dor é maior que o peito e o caminho termina antes de se chegar ao destino, há que se usar um engenho, de maneira tal que a extensão da dor complemente a falta de caminho", esse 'engenho' de que ele nos fala é esse poder, o fogo sagrado da cura, que todos, sem exceção possuímos. Mas que só se revela quando não tememos entrar na noite escura de nós mesmos e que nos dá uma sensação maravilhosa, que consolo externo algum pode nos oferecer: o de termos conseguido pelo nosso próprio mérito.

05 março 2008

Cuidando do futuro



Há situações que nos apavoram, nos dão muito medo. Uma delas é a velhice, não apenas a nossa, mas também a dos nossos pais. No susto de ter que pensar nisso, melhor deixar pra lá, pra quando chegar a hora.

Como bons brasileiros que somos deixaremos esse assunto sério para o último minuto , na esperança de que daremos um 'jeitinho'. Infelizmente, nestes casos não estamos lidando com documentos ou objetos, mas sim com vidas. Com as nossas próprias e daquelas vidas tão preciosas para nós, a dos pais.

Por isso é inacreditável como não nos preparamos, não nos programamos para um fato tão certo quanto a morte: todos nós, sem exceção, se não morrermos antes, ficaremos velhos!

O primeiro ponto desprezado é a questão da previdência. Temos que nos questionar francamente se conseguiremos viver tranquilamente, ou pelo menos, dignamente, com a aposentadoria do governo. Se a resposta for sim, ótimo! Você é um exemplo na arte do despojamento, além de fazer milagres. Se não, como para a maioria dos mortais, a questão é: o que posso fazer agora para ter uma aposentadoria digna? A partir daí ir à luta, quebrar a cabeça com soluções inteligentes e efetivas para que esta questão seja resolvida. Mas o principal é tomar consciência da necessidade e da relevância desse assunto.
Salvo raras exceções a maioria de nós dependerá de alguns cuidados dos parentes, como ter que nos acompanhar em algum exame, dormir em hospitais. Uma hora não seremos auto suficientes para resolver questões simples como fazer compras ou mesmo dirigir. Se ao menos tivermos uma aposentadoria satisfatória, o constrangimento será menor. Haja visto que iremos ter que pedir socorro vez ou outra, isso é fato. Se pelo menos esse socorro não for financeiro, ufa, que alívio para todos!

Não pela questão do dinheiro em si, mas pela questão da autonomia, da auto estima, que o assunto envolve.

O segundo ponto que ninguém gosta de comentar é: quem ficará com os pais quando esses necessitarem de cuidados especiais?

É inacreditável como protelamos decisões tão sérias. As soluções são muitas, desde comprar um apartamento, ou casa, um do lado do outro, assim se preserva a individualidade de todos, estando bem próximos no caso de necessidade. Ou a contratação de uma pessoa capacitada para acompanhá-los no que for preciso. Ou ainda ficarem todos em uma mesma casa. O ideal varia de família pra família. Mas todas as soluções envolvem planejamento a longo prazo. É importante uma reunião, pais e filhos, decidindo em conjunto o que será melhor para aquela família, o que está de acordo com as suas possibilidades.

Sei que o problema não é tão simples, pois envolve afetos, preferências e aptidões individuais de cada familiar, mas é possível colocar o sentimentalismo de lado e pensar racionalmente na questão, afinal o objetivo é maior que todas as picuinhas.

Quantas famílias conhecemos que fazem isso?

É dolorido ver a situação em que muitos idosos se encontram, por uma simples questão de falta de organização.

Não vamos esperar mais que um 'jetinho' resolva problema tão sério, porque não vai resolver.





02 março 2008

O que ouço eu das coisas



As coisas são vivas, elas se expressam no silêncio dos dias. As paredes falam, assim como as portas e as mesas. As pedras também falam, e não falam pouco! Elas são as anciãs da terra e contam histórias de um tempo quando nem sonhávamos existir...

A natureza me diz o que fazer em cada tempo. Meu calendário é feito do florir das árvores.

O rosa calmo e seguro da paineira, assim como o roxo profundo das quaresmeiras me anunciam a chegada do outono e me propõem um cafezinho quente. O balançar das folhas nas árvores me diz que é hora de partir para dentro de mim, hora de entrar na caverna.
No inverno, o barulho da canjica na panela de pressão me consola, diz que tudo vai melhorar, que é para eu ter paciência.

Os ipês me falam da coragem de florir quando todos insistem em se ocultarem. Em meio aos pastos secos do frio falam de esperança e força.

Na primavera renasço com o amarelo das sibipirunas, elas são a própria jovialidade e frescor.


Em Novembro os flamboyants falam da alegria, do amor e do calor. De tudo que é quente, bom e alaranjado.Este ritmo expresso pela natureza me equilibra, regenera, revigora.


Assim, ano a ano, estação após estação, aprendo mais das árvores e de mim. Aprendo que para tudo há um tempo e não adianta querer ter flamboyant em Abril, nem quaresmeira em Setembro.