24 setembro 2008

Gosto pela secura



Desenvolvi uma aversão pelas coisas macias.

Não sei de onde isso veio. De um dia para o outro me peguei com pavor de uma cama fofa, de um sapato confortável, de um copo de leite morno...

Por mais que me doa, gosto de caminhar descalça no frio, deitar no chão gelado, comer o que está esquecido sobre o fogão.

Os ambientes áridos e inóspitos me atraem e prefiro vislumbrar o deserto que a uma bela praia ou cachoeira.

Sei que é apenas uma fase. Logo passa e voltarei a sentir prazer nas coisas boas. Mas não desprezo o que a vida me traz. Se chuva, bem! Se sol, bem também. Serenamente transito entre um estado e outro. Entre uma disposição e um desânimo. Entre o aconchego e o abandono. Aprendi que não dá para ter tudo sempre. Muito menos manter a coerência todos os dias, pois a confusão é o meu estado natural.

Caos e ordem tudo junto, na mesma casa, na mesma pessoa.

Cansei de lutar contra minha natureza e resolvi aceitar tudo o que sou.

Consigo ver razão em tudo o que existe, até nas coisas feias, na miséria, na amargura e até na morte.

Muitas vezes é preciso saborear o fel das adversidades, rolar com elas por terrenos pedregosos e contemplar a ferida aberta.

Só assim se cresce, só assim criamos olhos sensíveis às belezas simples da vida.

04 setembro 2008

Bonitinha, mas ordinária



Assim é a Língua Portuguesa para mim, como o título da peça de Nelson Rodrigues, um drama de paixão e ódio! Ao mesmo tempo que me encanta com suas múltiplas facetas, me faz odiar a vulnerabilidade de suas regras! Decididamente, tentar aprender e, pior, entender tantas regras é das lutas, a mais vã!

O pior é que as pessoas pensam que por eu ter feito Letras tenho a obrigação de dominá-la. Infelizmente não é bem assim. O que mais fazemos na faculdade é confrontar inúmeras explicações para um mesmo assunto, sem chegar a conclusão alguma.

A Língua Portuguesa é uma matéria em transição. Ela luta com as regras criadas em pleno Positivismo, que ainda são cobradas em concursos, entre os quais o vestibular, e uma visão totalmente dinâmica, inovadora, que comprova que tais regras contemplam uma língua irreal, que não existe na prática. Contudo, enquanto a gramática tradicional continuar sendo exigida, e não se encontrar uma teoria mais satisfatória que a substitua, que dê conta de toda diversidade linguística existente, ficaremos assim sem saber ao certo o que fazer, qual regra aplicar e, muito pior, o que ensinar. Se nem mesmo entre os grandes gramáticos existe um consenso em questões aparentemente simples, como: o que é sujeito oculto ou um sujeito inexistente! Cada qual apresenta a sua própria definição, que antes clarear fazem é jogar areia nos nossos olhos.

Grande parte dessa confusão começou por querermos dar à Língua um caráter de ciência. Sem dúvida, há sim muita previsibilidade na forma como ela se estrutura; podemos estabelecer sistemas, normas. Porém, temos que ter a clara consciência de que estas regras não darão conta de tudo. A Língua é um sistema vivo e aberto, ou seja, está em constante evolução e não se limita a padrões estanques, assim como toda ciência da área de Humanas.

Dizem que o que mais define um povo é a sua língua. Foi até por esse motivo que a Língua Portuguesa foi institucionalizada. Na época (1262), Portugal vivia em confronto com a Espanha, que volta e meia tomava o poder e dominava toda a península. O meio que o rei Dom Dinis encontrou para fortalecer o senso de nacionalidade entre os seus súditos, foi estabelecer uma língua comum e obrigatória para todos. Entre os vários dialetos existentes optou-se pelo português. Com isso criou-se uma barreira mais eficiente que milhares de soldados. Até que para portugueses eles foram bem espertos! Mas não poderiam ter escolhido alguma coisa mais simples?

Será que é significativo pensar que a língua é um retrato de nós mesmos e por isso temos a Língua Portuguesa com suas inumeráveis brechas, portas abertas a infinitas regras e interpretações? Bastante maleável, quem sabe para se moldar ao gosto do freguês? Assim como as palavras da nossa Constituição, escritas no bom e velho português, você sabe que a lei existe, mas pode ter tantas caras e interpretações quantas desejarmos, ou for conveniente.
Quem nunca desejou que nossa língua fosse como o inglês ou o alemão: regras claras! O sim que quer dizer sim, o não que diz realmente não? Eu desejo isso todos os dias! Pois não há um só dia que não tropece nesta bendita pedra que é Língua Portuguesa.

02 setembro 2008

'b' de básico



Há quinze anos ouço o Fernando dizer todas as vezes que vou fazer alguma compra:" Lembre-se dos 3 'bs'!"

Os '3 bs' a que ele se refere diz respeito a seguinte regra: só compre o que for bom, bonito e barato. Minha filha cresceu ouvindo esse tipo de coisa, e agora, em plena adolescência, no afã por querer tudo, e tudo ao mesmo tempo, resolveu inovar: "Mãe, agora para mim são 4'bs': bom, bonito, barato e bastannnte!"

Não sei onde isso vai parar, e antes que os 'bs' continuem a se multiplicar, propus uma nova regra: diante de qualquer compra, apenas um único 'b', o de básico!

Isso para tudo, desde produtos de limpeza (que sempre olhei com desconfiança para aquela diversidade enorme nas gôndolas) até para eletrodomésticos, móveis, carro e até casa. Não gosto de nada espalhafatoso e exagerado, se bem que esses são conceitos muito relativos, pois cada qual tem uma idéia diferente do que seja pouco e do que seja muito. Mas de maneira geral sabemos diferenciar o básico do exagerado pelo seu efeito a longo prazo. O exagerado é aquilo que depois de um tempo não suportamos mais olhar. Ao contrário do básico, ou clássico, que é silencioso, não fere os sentidos, por isso não cansa.

O básico nem sempre é o mais barato, mas também não precisa ser necessariamente o mais caro. E a longo prazo ele acaba compensando economicamente, pois quando digo básico não me refiro apenas à aparência, mas também à quantidade: comprar só o que é útil naquele momento, na quantidade e no tamanho exatos. Não entendo a lógica de armazenar, pois não estamos em guerra e temos sempre à disposição roupas lindas, alimentos frescos e tudo o mais na hora em que precisamos! Por isso ao invés de comprar 3 pares de sapatos por que não comprar apenas 1?

Nem preciso dizer que minha filha odeia essa teoria. "Mãe, como que pode um único par brincos por meses? Uma única calça, ainda mais assim: sem nenhum strass, brilho, aplicação...??" Nada contra as firulas, mas enjôo logo, o que acaba gerando desperdício.

Volta e meia me encontro na rua com um conhecido, dono de uma loja, e ele sempre fala: "Vai lá na loja, chegaram coisas lindas!" Respondo: "Realmente confio no seu bom gosto, mas é que não estou precisando de nada no momento". O que ele pensa, não sei, mas a minha filha tenho certeza que tem vontade que o chão se abra. "Mãaae, ninguém compra roupa apenas quando está precisando!" Simulo ingenuidade: "Ah não? Estranho isso."

Às vezes me sinto um ET, mas só às vezes, pois felizmente conheço várias pessoas que compartilham comigo dessas idéias. Há hoje em dia uma consciência maior. Nunca se falou tanto em consumo consciente e em reciclar o que já se possui, pois sabemos que se continuarmos neste ritmo caminharemos para um colapso. Não apenas com danos para o planeta, mas primeiro para a nossa própria vida, pois o excesso de tralha é oneroso, ocupa tempo e espaço demais!

É necessário reinventar outros prazeres para preencher nossos espaços e tempos, outras fontes de satisfação mais saudáveis para todos. Consumindo o básico nos tornamos mais leves, desprendidos. Temos a certeza de que somos nós que utilizamos das coisas e não elas que nos utilizam.

Não sei se é utopia, mas acredito que esse seja o primeiro passo para a tão almejada liberdade.

01 setembro 2008

O meu, o seu, o nosso cheiro



Já parou para pensar em por quê sentimos cheiro?

Aparentemente, tirando o prazer ou desconforto que os cheiros nos causam, não há nenhuma utilidade para tal sentido. Bem diferente da audição, do toque, do paladar e da visão, cujas utilidades facilmente identificamos. Mas não é bem assim. O olfato faz parte de um sofisticado sistema de proteção à vida. É por meio dele que distinguimos alimentos, ambientes e até pessoas benéficas de maléficas. Sem o olfato morreríamos rapidamente.

Uma casa para ser acolhedora tem que ser limpa a fim de transmitir a sensação de segurança. Quando há algum cheiro ruim nosso corpo se põe em estado de alerta, portanto não relaxamos, não nos sentimos em casa! Ao identificar um cheiro como bom nosso sistema olfativo envia ao cérebro a mensagem de que pode abaixar a guarda, dormir em paz, o ambiente está livre de perigo.

Outra peculiaridade do olfato é a sua capacidade de nos transportar a lugares distantes, a pessoas e situações especiais. Quem nunca se sentiu conduzido a algum lugar da memória por meio de um simples perfume? Sabendo disso algumas lojas começam a criar seus próprios aromas, muito bem estudados, a fim de nos remeter aos sonhos antigos, lembranças da infância, conforto de casa, abraço de avó... ai, quando menos percebemos, já estamos levando a loja toda. É, infelizmente os profissionais do marketing não se envergonham em utilizar nossas mais caras lembranças para vender! Nessas horas é bom deixar o olfato de lado e abrir bem os olhos para os preços nas etiquetas e no nosso saldo bancário.

Também uma arma antiga, e que foi muito utilizada durante a Guerra Fria para destruir um inimigo ou descobrir seus segredos, consistia em enviar-lhe uma mulher lindíssima e, claro, cheirosa, dessa forma ele seria facilmente enganado, pois diante da beleza e de um bom perfume nos desarmamos. Também por isso que há tanto assalto cometido por pessoas bem vestidas e limpinhas, para não causar alarme. Pessoas nestas condições nos transmitem confiança.

Outro dia li que para tentar conter a violência nas grandes cidades já se estuda a hipótese de colocar aromatizadores em locais públicos, como escolas e estações de metro, pois os mais diversos odores nestes ambientes estimulam a animosidade entre as pessoas. Na verdade é o que Paulo Freire dizia: 'o homem não suporta o cheiro do homem', sendo assim talvez o problema da violência fosse até amenizado com o uso de aromas pacificadores , ao menos traria muito mais conforto não sentir o cheiro dos nossos vizinhos no trem ou dos colegas de escola depois da educação física, porém será que não estaríamos nos enganando de alguma forma? Deixando de conviver, respeitar e aceitar os cheiros alheios, que, afinal são naturais e não são muito diferentes dos nossos?

Mas tirando estes pontos que envolvem espionagem, assaltos e compras por impulso, o olfato é muito confiável, ele é o nosso grande aliado na escolha de amigos e de um companheiro. Quando gostamos do cheiro de alguém, nossos sentidos, que são muito mais rápidos que a nossa mente, já identificou o que talvez demoramos meses ou anos para perceber: aquela pessoa nos faz muito bem!